O que nos trouxe aqui

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Lia Calder e Thais Françoso: "(...) o feminismo é mais benéfico para as brancas porque a preponderância da raça se impõe à do gênero" (Crédito: Divulgação)

Por Lia Calder e Thais Françoso

Temos tratado aqui de temas que evidenciam a desigualdade de gênero nos espaços de poder. Alguns marcos nos ajudam a dar materialidade ao fenômeno, como os 79 anos que separam a criação da primeira instituição de ensino superior do Brasil da formatura da primeira mulher com este diploma. Rita Lobato Velho Lopes, médica pela Faculdade de Medicina da Bahia, foi ativista pelo voto feminino e eleita vereadora em 1934.

Os mesmos 79 anos separam a fundação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, e a nomeação da primeira mulher “imortal”: Raquel de Queiroz.

No mesmo ano em que Rita integrou a Câmara de Vereadores, foi eleita a primeira deputada federal, Carlota Pereira de Queirós. Carlota foi a única mulher em um grupo de 254 pessoas nos trabalhos da Constituinte de 1934.

Rita, Raquel e Carlota compartilhavam algumas características como coragem e liderança que resultaram na pioneira representatividade feminina nesses espaços de poder. Também é possível afirmar que, mesmo com todos os desafios, elas compartilharam os privilégios de classe e raça. Essas personalidades da luta pelos direitos das mulheres no Brasil vieram de famílias abastadas e brancas.

As conquistas deste trio se deram em uma via pavimentada também por mulheres negras, frequentemente invisibilizadas por uma nação forjada no racismo.

Esperanza Garcia, mulher negra, escravizada, escreveu uma carta ao governador do Piauí, em 1770, denunciando as violências e maus tratos. A carta, estruturada com argumentação jurídica, é considerada uma das primeiras petições de direito, o que levou ao reconhecimento, em 2017, de Esperança como a primeira advogada do Brasil.

Foram as mulheres negras as pioneiras na produção e comercialização de alimentos nas cidades. As chamadas “quituteiras”, símbolos de emancipação e independência, geravam renda para a compra da liberdade de pessoas ainda escravizadas. Hilária Batista de Almeida, a Tia Ciata, foi uma das articuladoras deste movimento econômico e utilizou sua influência para garantir a liberdade cultural e religiosa então criminalizadas.

Em uma época em que o acesso à educação era um privilégio da branquitude, em 1859 a professora Maria Firmina dos Reis lançou o primeiro romance brasileiro, “Úrsula”, que aborda questões de raça e gênero.

Estes três exemplos, que poderiam ser milhares, evidenciam como o legado de mulheres negras beneficia a todas. No entanto, como colocado na coluna “O mito da mulher universal”, o feminismo é mais benéfico para as brancas porque a preponderância da raça se impõe à do gênero.

Para entrar em novembro, mês marcado pelo inesgotável esforço em promover a Consciência Negra, lembramos que não há feminismo possível sem que seja antirracista.