Tributação, substantivo feminino
Por Lia Calder e Thais Françoso
Temos tratado aqui sobre o impacto positivo da inclusão da lente de gênero nas organizações como uma estratégia para mitigar as desigualdades entre homens e mulheres A mesma lógica vale para iniciativas públicas.
O sistema tributário, por exemplo, impacta pessoas de gêneros diferentes de formas distintas. Isso se dá por uma série de motivos como: desigualdade salarial de quase 20%, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego; a desproporcionalidade do tempo dedicado por homens e mulheres em tarefas de cuidado não remuneradas e uma tendência de consumo de itens essenciais ao cotidiano como alimentos básicos, higiene pessoal, limpeza, mais presente entre elas do que entre eles.
Em 2021, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) produziu o relatório “Tax Policy and Gender Equality” que constata que apenas 51% dos 43 países entrevistados possuíam políticas fiscais construídas sob uma perspectiva de gênero. Ou seja, apenas metade das nações considerava que o desenho tributário pode afetar diferentemente homens e mulheres, fomentando a desigualdade de gênero.
O Brasil, que à época não se enquadrava entre os 51%, vive agora, com a aprovação da Reforma Tributária, uma mudança positiva na percepção de que a tributação tem um papel fundamental na luta pela igualdade de gênero. Vale destacar o trabalho das pesquisadoras do Núcleo de Tributação e Gênero da Fundação Getulio Vargas (FGV) que, entre outros pontos, contribuíram para a inclusão da obrigatoriedade da avaliação dos impactos que os regimes diferenciados (cargas tributárias reduzidas para determinados setores ou atividades) têm na promoção da igualdade.
A redução da carga tributária para absorventes higiênicos exemplifica esta contribuição. No Brasil, segundo a Unicef, 1 a cada 4 meninas deixam de ir para a escola pela falta de acesso a produtos básicos à saúde menstrual. Mensalmente, milhares de mulheres são impossibilitadas de garantir sua renda familiar pela mesma questão. A redução da carga tributária para cesta básica, higiene pessoal e produtos de limpeza, além da devolução dos tributos pagos sobre o consumo, o cashback, para famílias de baixa renda é outro exemplo. A reforma tributária alia as perspectivas de classe e gênero, pois segundo o IBGE, 62,8% dos lares chefiados exclusivamente por mulheres com filhos de até 14 anos estão abaixo da linha de pobreza.
Foi dado o primeiro passo e avançamos na inclusão da perspectiva de gênero nas novas regras de tributação sobre o consumo. A partir de agora é essencial que a mesma perspectiva seja adotada na elaboração de um orçamento calcado na equidade e combate às injustiças com a correta destinação dos valores arrecadados para que as desigualdades entre homens e mulheres possam ser minimizadas.