Pacto do silêncio
Por Lia Calder e Thais Françoso
Três investigações conduzidas pelo departamento de Recursos Humanos consideraram Marcos responsável por assédio sexual. A vítima, Sofia, obteve medida protetiva perante o Poder Judiciário. O assediador, no entanto, não sofreu nenhuma punição pela empresa, que possuía política de combate ao assédio e era reconhecida por seu posicionamento em prol da igualdade de gênero.
Sofia passou a sofrer isolamento de superiores e colegas. Ela passou a ser excluída de reuniões e grupos de trabalho, dado ao distanciamento exigido entre ela e Marcos, garantindo que ele ocupasse esses espaços. Sofia seguiu sendo alvo de outras violências por parte do agressor, que se aproveitava de sua blindagem corporativa. As poucas colegas que se pronunciaram em relação ao caso sofreram retaliações e recuaram, adotando o silêncio.
Os nomes são fictícios, mas o caso relatado no paper Sexually harassed, assaulted, silenced, and now heard: Institutional betrayal and its affects publicado por pesquisadoras australianas no periódico Gender, Work and Organization, joga luz no pacto do silêncio e na traição organizacional que permitem que histórias como a de Sofia sejam realidade para 22,8% dos profissionais em todo mundo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), este é o percentual de pessoas que sofreram assédio moral ou sexual no ambiente laboral. Mulheres jovens, negras e migrantes são as principais vítimas.
No Brasil, as denúncias vêm subindo vertiginosamente. Segundo o Ministério Público do Trabalho, os relatos de assédio sexual mais do que dobraram entre 2022 e 2023, quando 24 mil casos foram registrados. Sete em dez denúncias foram feitas por mulheres.
O caso de Sofia ilustra como o assédio contra mulheres não se dá apenas entre o assediador e a vítima. O crime precisa encontrar na estrutura organizacional uma condição propícia para acontecer e se perpetuar. Para as pesquisadoras, a omissão das organizações nesses casos está centrada nas complexas relações de poder que se articulam de forma a preservar os assediadores e trair o compromisso da organização com a segurança das pessoas e, especialmente, das mulheres. Neste processo, o silêncio tem o papel central.
Esse silêncio não é passivo, mas sim um mecanismo padrão de preservação da violência que, no caso do assédio, tem as mulheres como principais vítimas. O pacto do silêncio se reflete nas razões pelas quais metade das vítimas não protocola denúncias: segundo a OIT, para elas, é uma perda de tempo.
Mudar esse cenário não depende apenas de canais de denúncia ou de investigações, mas de garantir a proteção dos que denunciam e de punir agressores, independentemente do nível hierárquico. É preciso agir para que possam falar.