Não se furte

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Lia Calder e Thais Françoso: "Vemos diariamente notícias estarrecedoras de assédio e abusos dentro de organizações públicas e privadas cujos lugares de poder são majoritariamente masculinos e com diferenças salariais gritantes entre gêneros e raças" (Crédito: Divulgação)

Por Lia Calder e Thais Françoso

Divulgado no mês de julho, o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública escancarou a aviltante realidade da violência contra mulheres e meninas: todos os indicadores que já eram alarmantes apresentaram piora. Os crimes, como já era sabido, possuem como principais vítimas as negras (67% das mortas por feminicídio) e meninas de até 13 anos (66% das pessoas do gênero feminino estupradas a cada 6 minutos).

Ainda que este aumento possa ter justificativa na subnotificação ou que seja fruto de importantes campanhas de conscientização e proteção de vítimas, não restam dúvidas que estamos diante de uma sociedade que tem no gênero feminino um alvo.

O ambiente corporativo não está alheio a esta realidade. Vemos diariamente notícias estarrecedoras de assédio e abusos dentro de organizações públicas e privadas cujos lugares de poder são majoritariamente masculinos e com diferenças salariais gritantes entre gêneros e raças.

Como resposta a esse cenário, o Brasil tem promulgado normas que exigem das empresas a implementação de medidas de prevenção a estas anomalias.

A consultoria GPTW aponta recuo na priorização de programas de D&I frente a outras pautas organizacionais

Na contramão, acompanhamos o arrefecimento dos investimentos em programas de diversidade e inclusão (D&I) nas organizações, puxado pela tendência de empresas estadunidenses frente ao movimento anti-woke que contesta ações para a redução de desigualdades. A consultoria GPTW, por exemplo, aponta um recuo na priorização de D&I frente a outras pautas organizacionais.

Sob a perspectiva de gênero, esta tendência desencadeará no aumento das violências e desigualdades entre homens e mulheres. Isso porque promover o ingresso e permanência de mulheres e outros grupos minorizados nos ambientes laborais passa por importantes processos pedagógicos e culturais que impactam positivamente não apenas no ambiente laboral, mas também na comunidade. Furtar-se dessa função social é normalizar aqueles estarrecedores indicadores e quebrar o compromisso constitucional com a igualdade de gênero que, ao fomentar a conscientização, autonomia e independência financeira de mulheres, pode apoiar a redução dos dados de violência.

O entendimento sobre o importante papel das organizações no combate à violência de gênero inaugura nossa coluna na Istoé — convite pelo qual estamos honradas. Cientes de nossos privilégios, aliadas de grupos minorizados e estudiosas de aspectos de desigualdades, estaremos quinzenalmente neste espaço para dividir reflexões que podem ajudar a desnaturalizar as opressões de gênero a partir de nossa experiência profissional nos campos legal e de cultura organizacional.