Comportamento

O novo jeito de empreender das mulheres asiáticas no Brasil

Nova geração de mulheres asiáticas desafia as tradições familiares ao apostar em negócios originais e inovadores que fogem dos estereótipos, mas sem deixar de lado a valorização da rica herança cultural oriental

Crédito: João Castellano

Yara, Paulina e Agatha: investimento na AIGO Livros e citação em relatório internacional de consultoria sobre tendências (Crédito: João Castellano)

Por Ana Mosquera

“O que a comunidade tradicional coreana espera é que você abra uma loja de roupas ou, no máximo, um restaurante”, conta Agatha Kim, sócia da AIGO Livros, especializada em imigração e diásporas no bairro do Bom Retiro, em São Paulo, ao lado de Yara Hwang e Paulina Cho. Há pouco mais de dois anos, passou por experiência semelhante a empreendedora Marisol Kiyoko Guevara, de ascendência materna japonesa, quando ela lançou o Vou de Nekô, aplicativo de entrega de comida asiática. Já a artista e muralista Camila Gondo encontrou nas artes plásticas uma forma de expressar sua identidade nipobrasileira — deste então ela já pintou murais em empresas como Google, Facebook, L’Occitane, Bulgari e Shiseido.

Cada vez mais mulheres asiáticas vêm se destacando em empreendimentos originais e inovadores que surpreendem suas famílias e comunidades. Muitas vezes a questão de gênero vem com força. “Era como se me perguntassem por que eu estava seguindo o meu sonho. O julgamento vem de uma parte mais tradicional da colônia”, lembra Yara. Foi o seu sentimento quando deixou a empresa da família para abrir a livraria AIGO, com títulos em português, espanhol, inglês e coreano.

Criadas sob a dinâmica de comunidades, muitas delas participaram de outros grupos ao longo da vida, desde turmas de escoteiros a igrejas. Mais tarde, se encontraram nas parcerias com mulheres da mesma origem. “Estar junto com pessoas que também têm a vivência racializada como mulher faz toda a diferença”, diz Paulina Cho, descendente de coreanos.

Em quatro meses, a AIGO aumentou o acervo em 1.200 livros, e acaba de ser citada no relatório de tendências da consultoria internacional WGSN, por conta do tema da imigração. “Essa livraria não seria possível há alguns anos, porque o mercado estava dominado por histórias de certas regiões geográficas. Com a literatura podemos dar destaque a outras narrativas”, afirma Paulina.

Além de fortalecer suas culturas, compartilham o ímpeto de romper com preconceitos e a exotização de suas habilidades profissionais. “O mercado ainda enxerga o trabalho das pessoas racializadas como de nicho. Acham que pessoas brancas conseguem fazer tudo, enquanto me dão mais autoridade para falar da Coreia e da Ásia”, diz Ing Lee, quadrinista e ilustradora.

Camila Gondo, criadora do Grupo de Empreendedoras Mulheres Amarelas: dinheiro gera empoderamento (Crédito:Divulgação)

Ásia mais perto

“Quando você compra produtos ou serviços de mulheres asiáticas, o dinheiro circula entre o grupo e isso nos empodera”, esclarece Camila Gondo. Da terceira geração de japoneses, ela levou tempo para assumir o gosto pelas artes plásticas e sua identidade nipo-brasileira.

Além de ter trabalhado para importantes empresas, como Sakura e China in Box, Camila é criadora do GEMA — Grupo de Empreendedoras Mulheres Amarelas. “Eu tinha certeza que outras pessoas enfrentavam as mesmas dificuldades que eu”, diz ela.

O coletivo saiu de dez para 360 mulheres em pouco menos de três anos, com profissionais que atuam em áreas diversas, da saúde à arquitetura.

Marisol Kiyoko, do aplicativo de culinária asiática Vou de Nekô (Crédito:Flávio Florido/Ricardo Matsukaw)

“O núcleo familiar muitas vezes fica contra porque prefere opções mais seguras.”
Marisol Kiyoko, do aplicativo de culinária asiática Vou de Nekô

“Se você fala que quer empreender, seja com artesanato, uma casa de chá ou padaria, o núcleo familiar muitas vezes fica contra, porque prefere opções mais seguras”, diz Marisol, referindo-se a áreas como medicina ou direito.

A avó não foi a única influência que a levou a contar a história de sua ascendência por meio da comida. O ano sabático de viagens pelo mundo fez com que ela se sentisse em casa na Ásia, o que despertou a vontade de difundir a cultura.

“Queremos abordar tudo relacionado ao universo asiático. Artesanato, esportes, idiomas. Tem restaurante indiano, mas tem templo também? Queremos trazer a Ásia para mais perto das pessoas”, afirma ela.

Esse é o plano de expansão do projeto que inclui o aplicativo de delivery com restaurantes que têm foco na culinária asiática na capital paulista. Atualmente já são mais de 25 mil clientes cadastrados.

O primeiro festival realizado pela empresa, em um único dia de outubro, reuniu mais de 15 mil pessoas no Mercado de Pinheiros.

O próximo evento, em 9 de dezembro, na Praça Pôr do Sol, em São Paulo, será o Aurora Fest. Idealizado por Marisol, trará:
• ceramistas,
• padeiras,
• designers de joias,
• produtoras de cervejas,
• cozinheiras,
• escritoras,
• esportistas e outras empreendedoras asiáticas — as comunidades tradicionais também estão convidadas.