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A nova Justiça: entenda a jogada de Lula ao indicar Dino e Gonet

Lula dobra a aposta com a indicação de Flávio Dino para o STF e Gonet na PGR, politiza ainda mais o Poder Judiciário, estanca a crise institucional e acena com a criação do Ministério da Segurança Pública

Crédito: Pedro Ladeira

A oposição tenta lhe impor a pecha de comunista, mas o ministro Flávio Dino diz que no STF não há ideologia (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Vasconcelo Quadros

O presidente Lula entrou no jogo político com o regulamento debaixo do braço e, numa substituição que surpreendeu os adversários, indicou o subprocurador ultraconservador Paulo Gonet para o comando da Procuradoria Geral da República (PGR) e, no mesmo drible, emplacou o ministro Flávio Dino, que sairá do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) para a vaga da ex-ministra Rosa Weber e será o primeiro comunista a integrar o liberal Supremo Tribunal Federal (STF).

O lance espetacular deverá ser o desmembramento do MJSP em duas pastas com programas ao gosto da direita e da esquerda: a Justiça cuidará da indenização de ocupantes de terras indígenas em cerca de 40 processos de demarcação em andamento – uma das mais importantes reivindicações da bancada ruralista – e, em decisão que ainda está sendo amadurecida pelo presidente, pode ser entregue ao ex-ministro do STF, Ricardo Lewandowski ou à ministra do Planejamento, Simone Tebet, que apoiou Lula no ano passado listando o ressarcimento dos ruralistas “de boa fé” entre os itens mais importantes de sua plataforma.

Sucessão na Justiça

As articulações para recriar a pasta de segurança pública são de iniciativa do PT, de olho num tema que, segundo as pesquisas, se transformou na preocupação mais importante para a população e que pode se transformar numa vitrine política com os altos investimentos no primeiro grande programa nacional de combate à criminalidade desde a redemocratização do País.

Se depender de Lula – e de Dino, também, é claro – a pasta ficaria com o secretário executivo do MJSP, Ricardo Capelli, referendado por acadêmicos como um dos poucos no governo que entende de segurança pública. Capelli tem a seu favor um forte trabalho de bastidor que levou o governo a controlar rapidamente a tentativa de golpe de 8 de janeiro, evitando uma GLO (garantia da lei e da ordem), como queriam os militares, e a intervir na segurança de Brasília e no Gabinete de Segurança Institucional (GSI), antigos focos do bolsonarismo. O problema é que o PT é o seu maior adversário.

O procurador Paulo Gonet foi recomendado por Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes: homens fortes do Judiciário (Crédito:Brenno Carvalho)

Com Dino e Gonet, Lula repete a estratégia do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que governou oito anos com tranquilidade quase imperial, tendo a garantia de um “líder” no STF e um “engavetador da República” na PGR.

Depois do mensalão, da prisão na Lava Jato e do impeachment da afilhada Dilma Rousseff, Lula é um político escaldado, mais pragmático e não quer mais correr riscos.

Quando todos esperavam uma mulher no STF ou outro nome ligado ao seu partido, Jorge Messias, advogado Geral da União (AGU), Lula deu de ombros aos riscos de rejeição e, surpreendendo até mesmo o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), impôs o nome de Dino.

“Ele decidiu sozinho, um dia antes do anúncio”, revelou o senador, que aconselhou o ministro a visitar com a máxima brevidade um a um todos os senadores. “Disse a ele que são 81 votos que ele terá de buscar individualmente, inclusive na oposição”.

Autor do polêmico voto restringindo poderes do STF junto com bolsonaristas, decisão que o indispôs com a própria bancada, mas destravou negociações com a direita, Wagner é, agora, o relator do projeto de indicação de Gonet e principal articulador para aprovação de Dino.

O subprocurador é visto com desconfiança na esquerda. Carioca, formado pela Universidade de Brasília (UnB), votou contra a anistia a perseguidos políticos e tem o estranho entendimento de que o Estado não pode ser responsabilizado pelos abusos da ditadura. Mas também foi decisivo ao recomendar a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Lula decidiu o nome sozinho, um dia antes do anúncio. Só contou à Janja.”
Jaques Wagner (PT-BA), senador

Lula tem pressa em resolver a demanda. Assim que se fixou em Dino, contou só à mulher, Janja, e depois convidou os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF, para uma conversa no Palácio da Alvorada, aos quais comunicou a decisão.

Os dois defenderam Gonet – que foi sócio de Mendes no IDP, uma grande faculdade de Brasília – e concordaram que Flávio Dino é, de longe, a melhor escolha de Lula para o STF.

Originário do movimento estudantil que o levou ao PCdoB, o partido que fez a Guerrilha do Araguaia (conflito armado ocorrido entre 1972 e 1975 no Bico do Papagaio, na confluência do Pará, Maranhão e Tocantins) e é o mais odiado pela extrema-direita, o ministro tem um raro currículo: como juiz federal, parlamentar (deputado e senador) e governador tem uma densa carreira nos Três Poderes.

Jurista, católico capaz de discorrer com desenvoltura de especialista versículos e citações bíblicas mais importantes, sempre alinhado às causas populares, é o primeiro progressista autêntico indicado para a Corte mais importante da República, um sopro no bolor conservador e um político consistente com o qual Lula poderá contar sem o risco de traição. Os dois são amigos há 30 anos.

Quando Dino decidiu deixar o PCdoB em 2021 para se colocar como alternativa presidencial pelo PSB, foi Lula quem ele consultou. Na mesma rodada de conversas o presidente incluiu o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e o senador Davi Alcolumbre (União-AP), a eminência parda do Senado, que controla a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde ocorre a sabatina dos candidatos indicados.

Mesmo às turras com o STF e em franca aliança com a maioria conservadora da Casa, os dois se comprometeram a atender o pedido de Lula, que quer encerrar o ano com Dino empossado no STF.

A sabatina foi marcada para o próximo dia 13 e, como deverá ser uma das mais longas, no máximo até o dia 14 ser levada à votação secreta no plenário do Senado. Pelo ânimo de governistas e apoiadores de Dino, num jogo que era visto como difícil, o placar poderá ser folgado.

Ao indicar Dino e Gonet em uma tacada só, Lula procurou promover o entendimento entre Pacheco (esq.) e Barroso (Crédito: Pedro Ladeira)

Um dos mais entusiastas é justamente um antigo adversário de Flávio Dino no Maranhão, o senador Weverton Rocha (PDT) que abriu o voto e antecipou o relatório recomendando a aprovação da indicação.

Ele avalia que na CCJ Dino, que precisa de 14 votos, receberá a aprovação de 17 a 20 dos 27 votos, e já tem garantidos 55 dos 81 votos no plenário do Senado, podendo chegar ao final com números de 58 a 62 votos, o que seria um resultado auspicioso. “Quem vai recusar um currículo desses? Ele não teria 41 votos?”.

O líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN) ao saber do diagnóstico deu uma gargalhada e provocou Weverton. “Pergunta se ele aposta nesse resultado?”. Como cautela e caldo de galinha não faz mal a ninguém, Dino só renunciará ao cargo de ministro depois que seu nome for aprovado.

A oposição continua acreditando, sem muito entusiasmo, que pode repetir o placar que rejeitou o nome indicado pelo governo para a Defensoria Pública da União.

“O presidente não teria mandado o nome do Dino para cá sem fazer uma leitura dos votos com os quais poderá contar.”
Efraim Filho (União-PB), senador

Nova pasta

O primeiro impacto favorável a Dino foi o rompimento da coesão conservadora. Diferente de votações recentes contra o STF, os ruralistas da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) já não votarão em bloco. O presidente da entidade, deputado Pedro Lupion (PL-PA) argumenta que a indicação para o STF não está entre os temas em que os ruralistas fechariam questão.

E o vice da FPA, senador Zequinha Marinho (PL-PA), diz que a indicação de Dino é estratégica para o futuro do governo Lula e que cada parlamentar fará sua avaliação, embora ele mesmo, evangélico, ache que dificilmente votará pela aprovação por razões ideológicas. “Eu sou liberal. Ele é comunista”.

Outro oposicionista no Senado, Efraim Filho (União Brasil-PB), faz campanha contra o governo para derrubar os vetos presidenciais, mas é realista sobre a probabilidade de aprovação de Dino: “O presidente não teria mandado o nome para cá sem fazer uma leitura dos votos com os quais poderá contar”.

Lula chegou a cogitar o nome de Simone Tebet para a Justiça, mas ela diz que não foi consultada (Crédito: Pedro Ladeira)

“Eu sou liberal e ele é comunista.”
Zequinha Marinho (PL-PA), senador

Um dos ministros mais fortes, com amplo apoio de seu partido e uma relação de confiança mútua com o presidente, Dino foi sempre o principal obstáculo ao desmembramento do MJSP, algo que Lula chegou a anunciar durante a transição, mas desistiu para não desagradar o amigo.

Sem ele, a pasta deve voltar a ser o velho MJ, mais focado nas atribuições jurídicas. Um dos compromissos firmados entre os dois casos é que se o desmembramento ocorrer, o governo não deveria mexer no comando da Polícia Federal, que deve continuar sob a direção do delegado Andrei Passos Rodrigues como o principal órgão da eventual nova pasta.

A PF tem também papel central no combate ao crime organizado.

No PT e no núcleo político do Palácio do Planalto se discute juntar sob o mesmo guarda-chuva:
• a Polícia Rodoviária Federal,
• o Departamento Penitenciário,
• a estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

Essa hipótese que encontra forte resistência entre os servidores do órgão, que temem virar apêndice da PF em decorrência dos sucessivos conflitos entre os dois órgãos nos últimos 20 anos.

A agência está sob o comando do delegado federal Luiz Fernando Corrêa que, com apoio do PT do Rio Grande do Sul, elaborou o plano de trabalho e era o nome preferido de Lula para ocupar o novo ministério no início do governo.

Os líderes do PT no Congresso – na Câmara, Zeca Dirceu (PR), e Humberto Costa (PE), no Senado – pressionam pela criação da pasta e defendem um nome do partido para o novo ministério.

Corrêa tem o apoio do PT gaúcho, mas o nome do advogado Marco Aurélio Carvalho, do grupo Prerrogativas passou a ser defendido pelo partido.

Costa diz que o ideal é Lula retornar ao País, depois de participar da COP28 em Dubai, nos Emirados Árabes, com a criação do ministério resolvida. “Torço por isso. A segurança é uma atribuição dos estados, mas o governo federal deve assumir seu papel”. O PT já vinha defendendo o desmembramento mesmo que Dino não saísse do ministério.

Lewandowski é amigo particular de Lula, que pode nomeá-lo para o ministério (Crédito:William Volcov )