Crise de segurança

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Mentor Neto: "Você entra num site para pegar uma receita de kibe de quinoa e precisa completar um formulário que mais parece uma entrevista de emprego" (Crédito: Divulgação)

Por Mentor Neto

Estamos vivendo uma profunda crise de segurança.

A verdade é que vivemos numa era de excesso de segurança.

Exatamente.

Esqueça essa história de que o Brasil é um País inseguro.

Que não dá nem para andar na rua.

Claro que não recomendo a ninguém entrar num beco escuro, num bairro deserto, depois da meia noite.

Nem aqui, nem em Londres, Nova Iorque ou Paris.

Beco escuro é beco escuro em qualquer parte do mundo.

Mas fora isso, ande à vontade, porque garanto que você está seguro.

Ou não.

O fato é que estão acabando com nosso direito sagrado de viver correndo riscos.

Quer ver?

Basta sentar no carro que o histérico começa a apitar desesperado como um chihuahua para que você ponha o cinto de segurança.

Meu pai tinha um fusca quando eu era garoto.

Quando a gente viajava, eu ia no banco de trás sem cinto de segurança.

Era gravidade zero.

Flutuava nas curvas, arrebentava a cabeça no teto e me estatelava no chão a cada buraco na estrada.

Meu pai e eu nos divertíamos com aquilo.

Às vezes ele até fechava mais as curvas, de farra.

Então, hoje, não ponho o cinto de segurança e deixo o apito berrar.

Desobediência civil contra a tirania da segurança.

Onde já se viu?

Uma hora esse apito vai desistir, penso.

Não desiste.

Vou de São Paulo ao Rio com ele espancando meus ouvidos e o danado não cansa.

Levo o carro numa oficina e peço que desliguem o treco.

Será minha vitória final.

— Não podemos desprogramar, senhor. É para sua segurança.

O apito e a segurança venceram.

Segurança virou uma praga.

Está em todo lugar.

Você liga para o banco, para sua operadora de celular, internet ou TV à cabo e qual a primeira informação que recebe?

— Para sua segurança essa ligação está sendo gravada.

Minha segurança?

Mas eu liguei para reclamar que estou sem internet, nem sabia que estava correndo algum risco.

Não adianta. Minha segurança sempre em primeiro lugar.

Por falar em Internet, já notou que exigem senha para tudo?

Você entra num site para pegar uma receita de kibe de quinoa e precisa completar um formulário que mais parece uma entrevista de emprego.

Aí vem a hora de escolher sua senha.

Como é só uma receita você digita, sei lá, “1234”.

Nem pensar.

Uma janela vermelha toma sua tela e informa sobre o risco de escolher uma senha tão simples.

Hackers da Rússia poderão roubar suas receitas.

Então o site demanda que sua senha tenha 8 caracteres, três números, letras (pelo menos uma maiúscula) e símbolos.

Para uma receita de kibe de quinoa apenas?

Não.

Para sua segurança.

E que mundo é esse onde crianças são condenadas a usar capacete e joelheira para passear de bicicleta?

Não tem coisa mais triste do que uma criança pedalando num condomínio fechado com aquele peniquinho na cabeça e um par de joelheiras nas pernas.

Criança que não se arrebenta caindo de bicicleta não se desenvolve bem, está provado.

É obrigação de todo adulto ter uma cicatriz no joelho e contar orgulhoso que conquistou aquela marca ao cair da bicicleta e esfregar a cara no chão quando tinha 8 anos!

Expor uma criança a tanta segurança não faz bem.

Além disso, precisamos sinalizar que elas não são tão importantes na grande ordem das coisas.

Senão depois crescem e querem nos obrigar a usar cinto de segurança no carro.

Percebe como o ciclo se fecha? Faça um bem para os jovens.

Tire seu capacete de ciclista para que ele cresça um adulto livre.

Aproveita e tire também esses óculos de natação ridículos.

Cloro nos olhos faz bem para a miopia.

Eu passei por tudo isso e estou aqui, firme e forte.

Inseguros de todo mundo, precisamos nos unir.

Para nossa própria segurança.