Economia

Montadoras reagem aos chineses

No setor automotivo, de tempos em tempos surgem fatos que abalam o mercado. Desta vez, são os asiáticos que estão chacoalhando as montadoras nacionais de veículos com sua alta tecnologia e agressividade comercial

Crédito: Handout via Xinhua

Fábrica da BYD na China monta carros que estão agitando o mercado brasileiro. Enquanto as montadoras nacionais recalculam a rota para fazer frente a concorrência (Crédito: Handout via Xinhua)

Por Mirela Luiz

RESUMO

• Aumento das montadoras chinesas no Brasil é um reflexo da globalização e da busca por novos mercados
• Esse movimento traz desafios e oportunidades para as indústrias já estabelecidas no País
• Analistas apontam que montadoras “brasileiras” deverão ter postura estratégica e adaptável
• Anfavea pede direitos iguais para não haver danos à competitividade

 

O cenário atual lembra o período de 2010, quando marcas asiáticas de veículos, como Chery, Jac, Lifan e Geely desembarcaram no Brasil. Naquela época, apenas duas delas conseguiram se estabelecer, após muitos ajustes na trajetória. Agora, novas marcas chinesas estão traçando seus próprios destinos, apostando na eletrificação como caminho para o sucesso, como a Great Wall Motor (GWM) e a BYD, que chegaram com tudo em 2023, com seus esforços para assumir fábricas fechadas e expandir sua presença no mercado brasileiro. “Não temos nada contra os chineses, coreanos ou italianos. O que defendemos é que produzam seus veículos no Brasil com o mesmo nível de competitividade”, explica Marcio de Lima Leite, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).

E a investida chinesa no mercado automotivo nacional não para. A partir de janeiro, novos veículos chegarão ao País. A Omoda e a Jaecoo, submarcas da gigante Chery, anunciaram que no início do próximo ano investirão em uma nova fábrica no Brasil.

“Os grupos chineses têm se destacado pela competitividade no mercado automotivo. Eles surgiram em uma era de alta tecnologia e inovação, o que lhes confere uma vantagem em relação às empresas mais antigas. Essa competição acirrada exige que as montadoras já estabelecidas aqui elevem seu grau de competitividade para enfrentar os desafios do mercado”, avalia Antônio Jorge Martins, coordenador dos cursos automotivos da FGV.

Como consequência dessa invasão asiática, montadoras tradicionais já estão se movimentando: reduziram consideravelmente o preço de alguns de seus modelos, como a Renault, com o Kwid E-tech; a Peugeot, com Peugeot e-2008 e a Hyundai, com o Kona, após a chegada dos elétricos BYD Dolphin e GWM Ora 03, produzidos na China, e que estão dominando o mercado interno.

“Se não fizermos o dever de casa, vai acontecer o que aconteceu com a América Latina há 10 anos, que tinha apenas 4% do seu mercado automotivo com produtos chineses e hoje tem 21%. Ninguém segura essa onda”, alerta o presidente da Anfavea.

Marcio de Lima Leite, presidente da Anfavea (Crédito:Handout via Xinhua)

“Se não fizermos o dever de casa, vai acontecer o que aconteceu com a América Latina há 10 anos, que tinha apenas 4% do seu mercado automotivo com produtos chineses e hoje tem 21%.”
Marcio de Lima Leite, presidente da Anfavea

Esse movimento de redução de preços também foi observado na Volvo, que abriu a pré-venda do EX30 com um valor menor do que o especulado inicialmente. Neste ano, a Toyota investiu quase R$ 2 bilhões no País.

“E seguimos buscando a promoção da competitividade, a previsibilidade e a isonomia para todas as empresas. Reconhecemos a chegada de novos competidores no mercado brasileiro. Contudo, acreditamos que nossa estratégia nos posiciona de maneira forte para continuar liderando a eletrificação no setor automotivo”, diz a Toyota em nota.

Já o Stellantis, grupo formado pela fusão entre Fiat Chrysler (FCA) e Peugeot Societé Anonyme (PSA), afirma que tem planos de investimentos futuros que devem somar o maior montante já investido por uma empresa automotiva no Brasil.

Sem dizer o valor desse aporte, a empresa segue com os planos de lançamentos de novos produtos e serviços. “Contamos com uma estrutura robusta e eficiente na América do Sul. Estamos totalmente capacitados para atender às necessidades dos consumidores da região”, diz o grupo.

(Jorge Araújo)

O aumento das montadoras chinesas no Brasil é um reflexo da globalização e da busca por novos mercados. Esse movimento traz desafios e oportunidades para as indústrias já estabelecidas no País, exigindo uma postura estratégica e adaptável por parte das empresas.

“A competitividade do setor automobilístico brasileiro dependerá da capacidade de se reinventar e acompanhar as mudanças do mercado, garantindo a satisfação dos consumidores e o desenvolvimento sustentável da indústria”, define Martins, da FGV.

“Quem não se modernizar, vai ficar para trás!”
Antônio Jorge Martins, coordenador dos cursos automotivos da FGV

Isenção de Impostos

A isenção de impostos para importação de veículos híbridos e elétricos que tanto incomodava as montadoras que aqui já estavam estabelecidas caíram e a partir de janeiro de 2024, de acordo com a decisão do Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex), esse tipo de veículo, composto por carros elétricos, híbridos e híbridos plug-in produzidos fora do Brasil voltarão a pagar imposto de importação, que havia sido zerado em 2015.

As alíquotas serão retomadas gradativamente até chegarem ao patamar de 35% em julho de 2026.

“O mais importante dessa medida é a sinalização de que a produção local de veículos eletrificados será uma grande realidade do ponto de vista da concorrência internacional. O objetivo desse pleito, que foi atendido pelo governo, é garantir um horizonte de previsibilidade para montadoras tradicionais e para novos fabricantes que vierem a se instalar aqui, de modo a atrair investimentos em produção local de modelos híbridos e elétricos, tão importantes para a sustentabilidade do planeta. A produção desses modelos no Brasil é um passo fundamental para a neoindustrialização, a geração de empregos de qualidade, a inteligência tecnológica estratégica e a pesquisa e desenvolvimento”, avalia o presidente da Anfavea.

Para a entidade que representa as montadoras e especialistas de mercado, o longo período de isenção foi importante e suficiente para a introdução das novas tecnologias no Brasil. “O aumento gradual do imposto permitirá ainda a importação desses veículos sem grandes impactos nos próximos anos”, complementa o professor da FGV.