Comportamento

Ultraprocessados: os alimentos vilões da dieta

A comercialização cada vez maior dos alimentos ultraprocessados acende um alerta nas autoridades de saúde: alguns países tentam reduzir o consumo desses produtos por meio de tributos pesados e proibição de campanhas publicitárias

Crédito: Istockphoto

A indústria de ultraprocessados ganhou força nos anos 1990: grande variedade de produtos prejudiciais ao crescimento das crianças (Crédito: Istockphoto)

Por Denise Mirás

O período chamado de pós-guerra (segunda metade dos anos 1940) mudou radicalmente o comportamento da sociedade: da moda — com roupas mais adequadas às mulheres que precisavam trabalhar fora de casa para ajudar na renda familiar — à alimentação. Foi quando também se começou a buscar comidas prontas, mais “práticas”, pela falta de tempo para cozinhar.

Dos produtos processados, com adição de sal ou vinagre para conservação, a indústria passou aos ultraprocessados. Desde o boom nos anos 1990 sua comercialização só aumenta, pela rápida multiplicação de opções.

Com alto teor de gorduras, sal e açúcar combinados — daí a importância de se atentar aos rótulos das embalagens, com a lista de ingredientes —, macarrão instantâneo, biscoitos recheados, salgadinhos de pacote e refrigerantes são consumidos ao longo do dia e, pior, em substituição à comida saudável, que é mais cara

Esses “vilões” da alimentação, que se tornaram motor de inúmeras doenças, vêm sendo cercados por iniciativa de governos de todo o mundo, da Colômbia ao Reino Unido, de Portugal à África do Sul.

Mas a força da indústria é uma barreira à contenção por meio de legislação. No Brasil, além de alertas do Ministério da Saúde, há projetos de lei que ainda tramitam na Câmara Federal e na Assembleia de São Paulo, por exemplo. São propostas voltadas à proteção mínima de crianças, que são mais vulneráveis a esses produtos.

“A quantidade exacerbada de sal, gordura e açúcar combinados desperta nosso apetite hedônico”, diz a nutricionista Karine Durães, especialista em comportamento. “Passamos a gostar desses alimentos — e a buscar mais e mais”.

Assim, o consumo é estimulado pelo próprio produto, que leva a população para mais perto de doenças metabólicas. “Vivemos em busca de praticidade e encantamento. E temos isso nas embalagens e nas propagandas desses ultraprocessados, principalmente em produtos para crianças, mostrando personagens encantadores.”

Com isso, mais a publicidade massiva em todas as plataformas, segue a nutricionista, se induz o aumento desse tipo de consumo, quando o ideal seria preparar as refeições com ingredientes saudáveis.

Karine Durães, nutricionista (Crédito:Divulgação)

“O consumo de ultraprocesssados leva a população para mais perto de doenças metabólicas.”
Karine Durães, nutricionista

No caso das crianças, Karine diz que os ultraprocessados não são nutritivos, mesmo quando têm alguma adição de vitaminas e minerais. “Isso se reflete nos órgãos das crianças, que precisam de nutrientes para crescer e, com isso, manter a saúde adequada. O crescimento é comprometido pelo consumo dos ultraprocessados. A gente já vê criança de nove anos desenvolvendo diabetes, que era uma doença de idosos. A alteração metabólica na infância faz com que se tornem adultos doentes. E que talvez vivam menos que os próprios pais, pela falta de qualidade da dieta.”

Outro aspecto levantado por Karine é o costume da alimentação individualizada. Já foi comprovado cientificamente que um dos fatores que mais protegem contra doenças metabólicas, questões psicológicas, delinquência na adolescência, transtornos alimentares e depressão é o compartilhamento de refeições.

“Ao inserir os ultraprocessados na nossa rotina, perdemos esses momentos de preparo dos alimentos mais nutritivos, também de forma colaborativa. E a criança se afasta cada vez mais da cozinha, da naturalidade de construir sua própria alimentação todos os dias. Deixar de compartilhar refeições faz mal para o nosso organismo e também para nossas relações.”

A lei brasileira exige identificação nas embalagens: além da lista de ingredientes, ultraprocessados são obrigados a estampar o selo “ALTO EM” no caso de substâncias prejudiciais à saúde (Crédito:Divulgação)

Tributos e vetos

Além da Colômbia, que escalonou taxas para ultraprocessados que vão chegar a 25% em 2025, e Reino Unido, que criou impostos sobre refrigerantes, Karine Durães cita Portugal, Chile e África do Sul entre os países que optaram pela tributação para limitar o consumo dos produtos não-saudáveis.

No Brasil, o Projeto de Lei apresentado em julho pela deputada federal Duda Salabert (PDT-MG) veta, em programas infantis, inserções publicitárias que incentivem o consumo de bebidas e comidas ultraprocessadas.

Salabert já classificou esses produtos como “ameaça global à saúde pública”. O PL seguiu em agosto para a Comissão de Saúde e para a Coordenação de Comissões Permanentes.

Na Assembléia de São Paulo o Projeto de Lei dos deputados Edmir Chedid (União), Enio Tatto (PT) e Marina Helou (REDE) proíbe a comercialização e a distribuição de alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas em todas as escolas estaduais.

Mas ainda está em análise nas Comissões de Constituição, Justiça e Redação; Educação e Cultura e Finanças, Orçamento e Planejamento. Os dois Projetos de Lei ainda não têm data para a votação em plenário.