Brasil

Conheça as ‘travessuras’ do caçula 04 de Bolsonaro

Relatório mostra que o filho mais novo do capitão usou o governo em novos esquemas de atividades ilícitas, que vão de pirâmides financeiras à proteção de integrantes da máfia dos precatórios

Crédito: Divulgação

Malsucedido nos negócios, o 04 migrou para o Sul para tentar a política (Crédito: Divulgação)

Por Vasconcelo Quadros

Assim que o ex-presidente Jair Bolsonaro tomou posse, em 2019, seu filho mais novo, Jair Renan, o 04, deixou o Condomínio Vivendas da Barra, no Rio, para desenvolver voo próprio, fez novas amizades com jovens empresários israelitas, ingressou no mundo do empreendedorismo com os olhos voltados para os negócios e passou a abrir as portas do governo do pai ao segmento empresarial que emergia dos evangélicos, armamentistas e militantes da nova direita, cuja afinidade maior era a proximidade ideológica do bolsonarismo com Israel.

Um desses novos amigos é Gabriel Harrison Dias da Rocha, jovem investidor de Brasília, que construiu nas redes sociais uma imagem de sucesso através da qual conseguiu atrair centenas de investidores e comprar volumosos títulos com créditos de precatórios.

Com um empurrãozinho do 04, Harrison conseguiu uma audiência com o então presidente, verniz que ilustrava sua pretensão de inserir-se nesse mercado bilionário.

Mas era tudo bem pensado: um calote milionário já estava a caminho, escancarado por uma série de ações na Justiça e investigações em curso na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), revelando que a sociedade empreendedora frequentada por Jair Renan começava a fazer água ainda durante o mandato de Bolsonaro.

Pirâmides com precatórios de Gabriel Harrison contaram com cobertura do 04 (Crédito:Divulgação)

Um relatório sigiloso de 24 páginas, ao qual ISTOÉ teve acesso com exclusividade, produzido em março de 2021 por arapongas que trabalhavam para militares do próprio governo Bolsonaro, com o título O Caso Harrison Investimento, é recheado de documentos, informes e imagens sobre 04 e seus amigos.

O documento foi encaminhado a parlamentares da CPI da Covid e ao Supremo Tribunal Federal (STF), e anexado ao inquérito das Fake News que, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, investiga os filhos e assessores mais próximos do ex-capitão.

Nele, o 04 aparece ao lado de Harrison e de seu ex-personal trainer, Allan Lucena, com quem dividia espaço no camarote 311, na ala de empreendedores do Estádio Mané Garrincha, em Brasília.

Harrison é acusado de formar pirâmides financeiras em torno dos precatórios e de não honrar compromissos contratuais com investidores que, até o final de 2020, foram atraídos por fabulosos lucros de até 5% ao mês como antecipação de precatórios entregues à Harrison Investimentos.

O relatório diz que ele é um dos agentes paralelos que, com informações privilegiadas obtidas junto aos órgãos públicos mediante a cobertura de Jair Renan, atuaram no varejo de um grande esquema de ações coletivas ou individuais sobre dívidas do governo, captando precatórios de clientes inclinados a vender os direitos sobre valores com sentenças judiciais já definitivas.

Segundo o documento, essas dívidas chegaram a R$ 182 bilhões em 2021, o que levou o então ministro da Economia, Paulo Guedes, a reagir contra a “indústria dos precatórios”, afirmando que “o Brasil vai ser destruído por uma indústria espoliativa e predatória”.

Quando uma lista de privilegiados veio a público, em vez de mandar apurar os desvios, Bolsonaro determinou que a cúpula da Receita Federal investigasse quem tinha vazado. O relatório cita, entre autoridades e advogados supostamente envolvidas com privilégios, o suplente de senador e advogado bolsonarista Luís Felipe Belmonte, que atuou em causas bilionárias e foi denunciado em 2017 pelo Ministério Público Federal por suposto pagamento de propina de R$ 800 mil a um desembargador de Rondônia pela liberação de um pagamento de R$ 107 milhões de uma das ações envolvendo precatórios.

Investigado também no inquérito das Fake News, Luís Felipe é marido da deputada Paula Belmonte (Cidadania-DF), extremamente próximos de Bolsonaro que, além de grande doador de campanhas do ex-presidente, tentou organizar o fracassado Aliança Brasil quando o então mandatário rompeu com o PSL. Belmonte foi um dos patrocinadores da empresa Bolsonaro Júnior Eventos e Mídia, da qual o filho do ex-presidente é sócio único.


Allan Lucena, ex-personal trainer do 04, esteve ao lado de Jair Renan na prospecção dos negócios, mas colecionou frustrações (Crédito:Divulgação)

O 04 e seus amigos trafegaram na periferia dos grandes esquemas de pirâmides financeiras, tendo sempre em comum a proximidade com membros do governo Bolsonaro e coincidências no estilo e tática para atrair clientes que, depois, seriam lesados:
• todos investiam num marketing pessoal arrojado,
atuavam fortemente pelas redes sociais,
e ostentavam uma vida nababesca, com viagens em jatinhos, presença em grandes eventos no exterior, tudo inflado com informações falsas impossíveis de checagem, até cairem nos órgãos de controle.

Assim como a Harrison Investimentos, uma outra empresa, a RCX Investimentos e Participações Ltda, dos empresários Paulo Bau e Caio Almeida Lima, lesou dezenas de clientes usando o mesmo modus operandi.

Em outubro do ano passado, durante a campanha presidencial, os dois empresários patrocinaram a superlive de Bolsonaro, realizada durante um dia inteiro na sede da empresa, na Rua Marques de São Vicente, Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo, por onde desfilaram apoiadores como o jogador Neymar e os governadores Tarcísio de Freitas e Romeu Zema, numa época em que o então candidato a presidente pelo PL contava com a vitória.

No mês passado, Paulo e Caio, que declaravam um patrimônio fictício de R$ 48 milhões, mas com um faturamento verdadeiro de R$ 180 milhões captados de investidores ludibriados, foram indiciados pela CPI das Pirâmides Financeiras entre os 45 nomes de 13 empresas financeiras, que atualmente estão sob investigação.

Uma das primeiras incursões de Jair Renan em negócios suspeitos foi até bem-sucedido em termos de marketing, mas se mostrou um fracasso de resultados e um constrangimento até para os bolsonaristas. Alvo de uma investigação sobre tráfico de influência, o 04 rompeu com seu personal trainer, Allan Lucena, que era seu parceiro comercial na Bolsonaro Júnior Eventos, e em nome de quem foi doado um carro elétrico de R$ 90 mil, generosidade de dirigentes do Grupo WK, de créditos imobiliários e consórcio automotivo, e a Gramazini Granitos e Mármores, da família Thomazini, do Espírito Santo.

Depois de um encontro com o 04, um dos executivos da WK, Wellington Vieira Leite, foi recebido numa audiência fora de agenda por Bolsonaro, documentado por imagens que viriam a ser exibidas pelo empresário em março de 2021, sem, no entanto, especificar a data da reunião.

Em novembro de 2020, o senador e ex-ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (PL-RN) receberia, também numa audiência sem agenda oficial, um dos donos da Ramazini, John Thomazini, acompanhado do 04. O empresário ofereceu ao governo um projeto megalomaníaco de construção de casas populares para o Minha Casa Minha Vida, que seriam erguidas com pedras para baratear custos com cimento.

A doação do carro gerou uma espionagem contra Allan que, em 16 de março de 2021, ao perceber que estava sendo seguido até no estacionamento do prédio em que morava, chamou a polícia. Espionado e espião foram parar em uma delegacia de Brasília, onde se revelou que o araponga era, na verdade, o policial federal Luiz Felipe Barros Felix, lotado então na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com a missão de levar ao gabinete presidencial informação confiável sobre o destino do automóvel.

No mesmo dia Allan Lucena, que era também subsecretário de administração Geral de Empreendedorismo do Distrito Federal, foi exonerado por determinação do governador Ibaneis Rocha.

O carro foi devolvido aos doadores, mas isso não evitou o rompimento. Em abril do ano passado, o 04 prestou depoimento à PF e disse que seu nome foi usado indevidamente e apontou Allan como beneficiário do esquema. Soube-se depois que o “fogo amigo” fora ordenado por generais palacianos que queriam blindar Jair Bolsonaro das travessuras do seu filho mais novo.

Marcos Cohen (acima) se relacionava com os empresários capixabas que doaram um carro elétrico ao 04, enquanto que Fernando Larrat, soldado do exército de Israel, era consultor de Bolsonaro no setor de armamentos (Crédito:Divulgação)
(Divulgação)

Equipamentos para a Abin

Um dos elos entre os jovens de Israel que se tornaram amigos e influenciadores de Jair Renan é Fernando Larrat, brasileiro naturalizado israelense, paraense de Belém, amigo do ex-presidente Jair Bolsonaro desde 2015. Sargento do exército de Israel, onde serviu entre 2017 e 2019, consultor nas áreas de importação, exportação e inovação tecnológica entre os dois países, Larrat se transferiu para Brasília logo depois da eleição de Bolsonaro, quando integrou ao grupo outro conterrâneo, Marcos Cohen.

Originário de coach evangélico, Cohen passou a se relacionar com Allan Lucena, Gabriel Harrison, seu sócio, Marcos Menezes, e com os empresários capixabas que doaram o carro elétrico ao 04.

As dezenas de imagens captadas pelos mesmos arapongas nas redes sociais sugerem uma espécie de eixo Brasil/Israel gravitando em torno do filho mais novo do ex-presidente. No documento em poder de ISTOÉ, todos compartilham da mesma ideologia e do fascínio por armas, agressividade e ostentação no estilo de fazer negócios arriscados e repetem na ala jovem da direita as mesmas posições de Bolsonaro sobre a relação de Israel e os palestinos.

Em torno de Bolsonaro gravitam autoridades e empresários israelenses que fornecem equipamentos aos órgãos de segurança e de inteligência ao Brasil, como a Abin (Agência Brasileira de Inteligência). O advogado de Jair Renan, Admar Gonzaga, disse achar estranho que a imprensa tenha informações sobre investigações que envolvem seu cliente. Ele não quis comentar, argumentando que são especulações. Atualmente o 04 mora em Camboriú, onde deve ser candidato a vereador.