Comportamento

Câncer: cientistas listam novas medidas de prevenção

A ciência avança na prevenção, diagnóstico e tratamento da enfermidade. Especialistas e pesquisadores têm enfocado, sobretudo, os tumores decorrentes de bactérias e de dois tipos de hepatite

Crédito: Marco Ankosqui

O oncologista Ricardo Caponero: “O câncer de fígado é de difícil diagnóstico” (Crédito: Marco Ankosqui)

Por Elba Kriss

Se todos seguissem à risca a boa e velha recomendação de “procure um médico sempre que necessário, muitas doenças seriam evitadas — inclusive o câncer”. É o que afirma a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). As entidades reuniram especialistas e representantes da sociedade da América Latina e do Caribe para formular medidas com base nas mais recentes e sólidas evidências científicas. Assim nasceu, na semana passada a primeira edição do Código Latino-Ame­ricano e Caribenho contra o Câncer, que apresenta 17 ações para ajudar a prevenir os mais de 100 tipos de tumores malignos existentes.

“Em 2020, houve quase 1,4 milhão de novos casos na América Latina e no Caribe, e, naquele ano, mais de 700 mil morreram de câncer nessa região”, diz Carolina Espina, cientista da IARC. “Até 2040, a projeção é de aumento para 2,3 milhões de casos e 1,25 milhão de mortes por ano. O Código é uma poderosa ferramenta de prevenção para ajudar as pessoas e os formuladores de políticas a abordar e, talvez, reverter essas tendências”.

Entre indicações já conhecidas como o “não fume” e “evite o consumo de bebidas alcóolicas”, o documento pede atenção para infecções virais.
• Enfatiza que a “Helicobacter pylori pode causar câncer de estômago.”
• O mesmo ocorre com os vírus das hepatites B e C em relação ao câncer de fígado.

Para ambos, a advertência é a mesma: “converse com os profissionais de saúde para ver se você poderia se beneficiar da detecção e do tratamento”.

A H. pylori é uma bactéria comum que infesta o estômago e ali pode permanecer sem se manifestar. No entanto, em algumas pessoas, a colonização gera dor, queimação, gastrite e úlcera. O tratamento requer antibióticos. O gastroenterologista Sérgio Zaladek explica a realidade nos consultórios, pois não são todos os portadores de H. pylori que vão evoluir para o câncer gástrico. “Nos pacientes com esse diagnóstico foi demonstrado, porém, que mais de 70% tinham a bactéria. O problema é multifatorial, ele pode se desenvolver em quem tem predisposição genética. E há também a questão do tipo de bactéria, já que existem cepas”, observa o especialista da Faculdade de Ciências Médicas Santa Casa de São Paulo.

As cepas resistentes “sobrevivem” aos medicamentos, sendo um alerta. O Código recém-criado indica “políticas nacionais de rastreamento e tratamento”. O oncologista Ricardo Caponero cita uma ação efetiva realizada no Japão, região com alta incidência de carcinoma gástrico.

“Chegou ao ponto de o país fazer endoscopias em uma Kombi na rua. Era um rastreamento, e isso reduziu a mortalidade. A conclusão foi de que não foi por causa da endoscopia. Mas, sim, porque a população era conscientizada dos sintomas do câncer gástrico”, narra ele, também diretor da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama.

O médico e pesquisador Hugo Tanaka: aposta na predisposição genética (Crédito:Divulgação)

Convênios e SUS

No caso das hepatites B e C, os vírus infectam as células hepáticas e diferem quanto à transmissão, sintomas e complicações. A primeira é causada pelo vírus B (HBV), sendo transmitida com maior frequência pela exposição a fluidos corporais infectados. A prevenção consiste na vacina. Já a do tipo C (HCV) ocorre principalmente por contato com sangue contaminado.

Não há imunização, o tratamento se dá com antivirais. Ambos podem ser males silenciosos, o que dificulta o diagnóstico. “A principal causa de câncer de fígado ainda é por conta da hepatite B e C”, diz a hepatologista Patrícia Almeida, com doutorado pela Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. “A do tipo B pode evoluir para um câncer mesmo sem cirrose. Diferente da C em que o paciente só desenvolve câncer quando tem fibrose bem avançada.”

O Código recomenda reforço no que se refere à vacinação imediatamente após o nascimento e busca ativa de não imunizados. O acesso ao diagnóstico também é fundamental. “O cidadão pode ir para qualquer unidade de saúde pública e solicitar o exame sem pedido médico. Não precisa se justificar, basta pedir o teste da hepatite”, diz Patrícia.

Além das 17 atitudes para prevenir tumores, a ala médica sugere um ponto a ser considerado pela IARC: o teste genético como auxiliar preventivo. “Hoje em dia temos a Terapia Alvo-Molecular ”, diz o oncologista Hugo Tanaka, do Hospital A. C. Camargo.