Internacional

EUA x China: hora de baixar a tensão

Joe Biden e Xi Jinping buscam aliviar o clima da disputa perigosa entre seus países, em meio a tensões com as guerras em Gaza e na Ucrânia. Na pauta, questões militares, comerciais e tecnológicas que mexem com a geopolítica internacional

Crédito: Brendan Smialowski

O líder chinês Xi Jinping e o presidente americano Joe Biden se encontram durante cúpula de cooperação econômica em São Francisco, no dia 15 (Crédito: Brendan Smialowski)

Por Denise Mirás

A esperada reunião entre o presidente americano Joe Biden e o líder Xi Jinping na última quarta-feira, 15, mereceu uma definição poética por parte da agência estatal Xinhua: foi comparada a uma sinfonia, em meio à lembrança da primeira apresentação dos músicos da Orquestra da Filadélfia no país asiático, em 1973, que marcou a histórica normalização de relações entre os dois países — e que agora se repete, por coincidência, com novas apresentações no território chinês em comemoração àquela turnê de 50 anos atrás.

Foi o primeiro encontro bilateral em território americano desde 2017 — e em meio à cúpula da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation) em São Francisco, na Califórnia.

A reunião fechada entre os líderes das duas superpotências assumiu importância crucial para o futuro da geopolítica global e teve um clima menos harmônico do que orquestras possam projetar, lidando com questões militares a econômicas e guerras regionais como a mais recente, entre Hamas e Israel.

Mesmo em meio a um momento difícil, o encontro entre Biden e Xi tinha de ocorrer agora, “porque em 2024 será impossível” pelas eleições presidenciais nos EUA, como lembra o professor Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UNB.

O comunicado oficial do governo chinês seguiu com recado mais firme, destacando a necessidade de respeito mútuo, e falando que EUA e China têm muito espaço para trabalhar em conjunto em áreas diversas, “sob responsabilidade de resolução de desafios globais como recuperação econômica, alterações climáticas, terrorismo, proliferação nuclear e pontos críticos regionais.

Pelo lado americano, o comunicado destacava “a importância contínua de manter relações abertas” e de “gerir concorrência de forma responsável”, lembrando também de “desafios que afetam a comunidade internacional”.

Uma das questões mais delicadas, a mudança climática, recebeu a devida atenção dos dois países. EUA e China — os dois maiores emissores de gases responsáveis pelo efeito estufa no mundo — divulgaram um documento comprometendo-se a redobrar esforços para reverter a perda de florestas e trabalhar para triplicar a capacidade de produção de energia renovável no mundo, até 2030.

Manifestantes em São Francisco exigem dos líderes providências contra as mudanças climáticas e pedem cessar-fogo no conflito Hamas-Israel (Crédito:Tayfun Coskun)

Cessar-fogo tecnológico

Biden e Xi haviam conversado pela última vez na reunião do G20 de Bali, em novembro passado, e para o professor Goulart o encontro desta semana, na Califórnia, “bilateral, presencial, com duração estabelecida em quatro horas e sem declaração conjunta”, serviria basicamente para “baixar a temperatura” entre os países.

Mas certamente seria abordado o visível desenho do cerco militar americano no mar ao sul da China, dada a aliança recém-estabelecida entre EUA, Austrália e Reino Unido (AUKUS), reuniões na Coreia do Sul e no Japão, e o reforço ostensivo de suas bases fincadas nas Filipinas.

E também a questão Taiwan, fornecedora de 75% dos chips para o mundo que mantém negócios tanto com EUA como China (em guerra tecnológica). “A liderança global se estabelece em três pilares. Os EUA têm maior potencial militar e o dólar, que amarra o mundo. Mas no terceiro pilar, a liderança tecnológica, a China está à frente.” Ainda assim, acredita Goulart, os dois líderes podem ter tratado de alguma trégua nos bloqueios tecnológicos dos americanos aos chineses.

Vladimir Feijó, professor de Relações Internacionais da Faculdade Arnaldo, de BH, diz que o encontro reabre canais de comunicação abalados desde a ida da deputada Nancy Pelosi a Taiwan, em agosto de 2022, “quando a China proibiu conversas entre as forças militares dos dois países”, um veto com potencial para alargar conflitos.

Biden tentaria restabelecer diálogos militares e ainda tratar da legislação necessária à área do Pacífico — para evitar mais riscos a mercados. “A diplomacia americana já havia baixado o tom. Mesmo porque empresas ‘não-vilãs’ são bem vindas nos EUA: se os modelos de governo não coincidem, elas concordam em investimentos e fluxo de produtos”, diz Feijó.

“O planeta é grande o suficiente para os EUA e a China.”
Xi Jinping, líder chinês

Talvez Xi consiga de Biden a flexibilidade de sanções tecnológicas, que ainda vêm do Donald Trump, diz o professor, porque os EUA também estão preocupados com países travando o dólar.

Indonésia, Malásia, Tailândia e Singapura, da ASEAN, já negociam entre eles com moeda local — e foi significativo Biden receber o presidente indonésio Joko Widodo antes da APEC.

O professor acredita que também poderá ser reaberta a ponte polícia-polícia, porque o presidente americano precisa de maior atuação do governo chinês sobre gangues do mercado ilegal de drogas como o fentanil, que chega aos EUA — e se tornou um sério problema de saúde pública, com 300 mortes/dia.

Para Xi, o gesto de predisposição ao diálogo se soma ao reconhecimento de potência importante no diálogo global. Para Biden, a ida do líder chinês até ele pode promover benefícios eleitorais, tanto do lado democrático como também do republicano.