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Aprovação da reforma tributária pelo Senado é histórica. Saiba por quê

Em decisão sem precedentes, o Senado aprovou a Reforma Tributária que permitirá o crescimento do País, mas que também manteve muitos privilégios e ampliou exceções. O texto final deve ser aprovado pela Câmara depois do feriado

Crédito: Pedro Ladeira

Os senadores comemoraram a aprovação da reforma: Randolfe Rodrigues (centro) é o mais empolgado (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Vasconcelo Quadros

Foi um resultado apertado, mas o presidente Lula venceu a mais importante batalha de seu terceiro mandato no Congresso. A aprovação da Reforma Tributária no Senado por 53 a 24, apenas quatro votos a mais do mínimo necessário, na quarta, 8, foi histórica e é a mudança mais esperada pelo mercado, já que o governo conta com as medidas aprovadas para fazer a economia deslanchar com segurança e previsibilidade.

Embora sujeita ao período de transição e a um último embate que ainda se dará na Câmara, os principais indicadores econômicos do governo apontam que a simplificação dos tributos, com as reduções ou aumentos pontuais, deve gerar 12 milhões de empregos e crescimento entre 12% a 20% a mais nos próximos 15 a 20 anos, mas com impactos positivos mais imediatos no desenvolvimento em decorrência do ânimo do mercado para atrair investimentos externos.

Depois do trauma do 8 de Janeiro, é uma mudança e tanto na agenda política do governo, que espera a promulgação da PEC 45 ainda este ano. Desde o fim do regime militar, em 1985, foi a mais importante alteração no sistema tributário, embora seu formato seja visto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, como o texto possível diante da necessidade de concessões à oposição. “Merece nota sete e meio com louvor. Ela tem um dispositivo que pode se transformar em dez.”

Haddad sugere que na Câmara, onde o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), acha que o texto pode ser fatiado por pressão dos governadores, é possível ainda incorporar um dispositivo que elimine as muitas exceções que permitem tributação diferenciada para alguns setores, como saneamento, financeiro, turismo, cooperativas e serviços em geral, o que, na sua avaliação, tornaria a reforma menos opaca, mais justa e atrativa aos investimentos nacionais e estrangeiros.

“Seria a nota dez”, diz o ministro. O texto aprovado em dois turnos no Senado elimina o chamado “manicômio tributário” e acaba com a guerra fiscal entre os governos estaduais.

Impostos como o IPI, PIS e COFINS foram unificados no CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), o ICMS (estadual) e ISS (municipal) no novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

Haddad elogiou o Congresso: “Merece sete e meio com louvor. Ela (reforma) tem um dispositivo que pode se transformar em nota dez” (Crédito:Diogo Zacarias)

A reforma cria também um tributo seletivo, o “imposto do pecado”, com aumento de alíquotas para produtos nocivos à saúde, como cigarros e bebidas. Nesse segmento, o governo acabou se rendendo à pressão da indústria e da bancada ruralista, deixando de lado a tributação seletiva sobre alimentos ultraprocessados, que não serão penalizados agora, como queriam as entidades de defesa da saúde, nem foram incluídos na cesta básica, como defenderam os ruralistas no conceito de que “tudo é alimento”.

A escolha dos itens da cesta com tarifa zero será feita na regulamentação da PEC.

Outra mudança importante foi a troca do IPI pela CIDE (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico) para a Zona Franca de Manaus, com tributação a produtos de importação similares aos produzidos na região.

Foi criado ainda o Fundo de Desenvolvimento Regional (FNDR), com aporte de R$ 40 bilhões a R$ 60 bilhões, e prioridade para o Norte do país. Com as muitas exceções feitas no Senado, a Câmara terá de analisar as medidas novamente, mas Lira anunciou que vai colocar o texto final em votação depois do feriado de 15 de novembro.

O relator da PEC, Eduardo Braga (MDB-AM), que negociou exaustivamente durante os quatro meses em que a matéria tramitou no Senado, lembrou que cálculos do Ministério da Fazenda mostram que a mudança colocará R$ 400,00 a mais por mês no orçamento de cada brasileiro e destacou que é a primeira reforma que o Brasil constrói no regime democrático. “Não é uma obra de arte perfeita, mas é o consenso possível dentro da correlação de forças da democracia.”

Nos momentos que antecederam a votação, diante da pressão da oposição, Lula entrou no jogo para evitar que mais concessões desfigurassem a proposta do governo.

Seu oponente, o ex-presidente Jair Bolsonaro, sinalizou a posição contrária de sua bancada contra a reforma com uma visita esta semana à Câmara, onde, acompanhado do embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zohar Zonshine, marcou sua parcialidade na guerra em Gaza assistindo um vídeo sobre os ataques do Hamas no dia 7 de outubro.

O líder do PL, Rogério Marinho (RN), garantiu os 24 votos contra, pregando que a reforma resultaria na maior carga tributária do mundo. Foi confrontado pelo senador Randolfe Rodrigues (AP-sem partido), líder do governo no Congresso, mostrando que o tributo de 27,5% previsto como teto é bem menor que os 34,4% atuais. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acha que a reforma “abre as portas do Brasil para o futuro”.

Parasitas

Entre operadores do mercado a reforma foi recebida com otimismo e algumas ressalvas. Ex-diretor do Banco Central, o economista Alexandre Schwartsman avalia que o texto é melhor que o sistema tributário atual, mas pior do que poderia ser. “Tem muita coisa boa, como mudança de origem para destino e recuperação rápida de créditos tributários. Mas exceções demais, uma transição que me parece muito longa e alguns privilégios que não fazem sentido.”

Já o advogado tributarista Júlio de Oliveira, sócio do escritório Machado Associados, acha que a criação de seis tributos novos ao extinguir cinco é um péssimo indicativo dos desvios da PEC. “O que era para simplificar e para tornar transparente e para sistematizar, vem apinhado de parasitas. O Brasil é um desafio constante de qualquer lógica evolutiva.”

Arthur Barreto, do Donelli, Abreu Sodré, Nicolai Advogados diz que o que deveria simplificar pode se tornar complexo em função do longo prazo de transição e exceções às regras do IBS e CBS. Ele acha que ainda assim, o texto possível moderniza o sistema tributário. “Os mecanismos de ajuste previstos para evitar que as novas regras gerem aumento da carga tributária em relação ao PIB são imprescindíveis e espera-se que sejam observados e aplicados.”