Comportamento

Rastreados e felizes: apps de monitoramento viram tendência

Aplicativos de localização e recursos de compartilhamento de viagens trazem segurança a famílias e amigos. Ferramentas se mostram aliadas da rotina e podem reforçar vínculo entre usuários, a partir de acordos saudáveis entre as partes

Crédito: Fita Crepe Filmes

Maria Carolina Passaro, engenheira civil, e André Clemente, empresário: app auxilia rotina familiar (Crédito: Fita Crepe Filmes)

Por Ana Mosquera

Desde 2021 há uma explosão de aplicativos de monitoramento de localização, sobretudo os compartilhados entre pais e filhos, reforçada pela pandemia, as catástrofes ambientais e o aumento dos casos de violência. O rastreador Life360 tem 33 milhões de usuários nos EUA e outros 20 milhões internacionalmente. O monitor do Snapchat, Snap Map, é muito utilizado entre amigos, enquanto o Find My iPhone, da Apple, é acionado por mais da metade dos donos de aparelho nos EUA. Aplicativos de transporte como Uber e 99 oferecem o mesmo recurso para os passageiros, que conseguem não só acompanhar trajetos dos colegas, mas também gravar as viagens. É difícil mensurar a efetividade das ferramentas na prevenção de acidentes e outras anormalidades, mas o aparentemente simples fato de saber que não se está sozinho ou sozinha garante tranquilidade e pode agilizar eventual socorro.

Cíntia Gracia, comunicóloga, e Luciana Polisel, técnica de laboratório: prática não invalida o clássico “avise quando chegar” (Crédito:Fita Crepe Filmes)

“Isso traz um benefício inclusive do ponto de vista da saúde mental, que é contar com uma rede de contato presente, próxima e íntima”, diz Bianca Solléro, psicóloga especialista em criatividade, TEDx speaker, escritora e palestrante. Amigas há cinco anos, a comunicóloga Cíntia Gracia e a técnica de laboratório Luciana Polisel se tornaram contato de emergência uma da outra assim que descobriram a função de cadastrar uma pessoa fixa no aplicativo de transporte para compartilhar as corridas.

“A pessoa vendo onde você está e sabendo o tempo que vai demorar, caso você suma por mais horas, ao menos é possível acionar algum tipo de ajuda com mais agilidade”, diz Cíntia.

Para Luciana, a existência do recurso por si só já é benéfica. “Eu acredito que o fato de o motorista saber que a ferramenta está disponível pode inibir alguma atitude ou, no mínimo, é mais fácil de sermos localizadas.”

Não sai caro

Segundo Jaime Ribeiro, escritor, pesquisador das relações humanas na era digital e CEO da Educa, a tecnologia afetou a relação parental e, assim como na discussão sobre outros dilemas da esfera familiar, a questão do rastreamento deve ter base no diálogo.

“O combinado familiar é o ponto de partida para que seja uma atividade de acompanhamento e proteção.”
Jaime Ribeiro, CEO da Educa

Ele cita o episódio Arkangel, de Black Mirror, série britânica de ficção que trata da intersecção da tecnologia na sociedade, em que uma mãe implanta um rastreador no cérebro da filha ainda pequena, e ao longo dos anos a situação foge ao controle.

Longe de qualquer exacerbação, o uso de aplicativos e recursos de compartilhamento nos dias de hoje pode trazer muitos benefícios para a rotina da família, sem interferir na privacidade dos membros.

“Quando os pais deixam os filhos à vontade sobre o que será feito, inclusive ao combinar o que é permitido ou proibido em cada situação, os jovens ficam mais confortáveis de também participarem do rastreamento.”

Jaime Ribeiro, escritor: “O combinado é o ponto de partida para que seja uma atividade de acompanhamento e proteção” (Crédito:Divulgação)

Na casa da engenheira civil Maria Carolina Passaro e do empresário André Clemente, há dois meses a prática é aliada, não só ao garantir a segurança das filhas de 10 e 12 anos, mas também do casal.

“Eu tenho muitos eventos à noite e a Carol está sempre na rua, por conta das obras”, comenta ele. Como as meninas ainda são pequenas, a circulação sem a presença dos pais oscila mais entre clube e escola. Apesar dos acordos de que não deixarão nenhum dos lugares sem avisar, é por meio do Life360 que os dois ficam a par sobre a bateria do celular que está acabando, por exemplo.

“Se antecipamos que elas vão ficar incomunicáveis, sabemos que teremos que recorrer a pessoas próximas”, diz Carolina, que não enxerga mais o cotidiano sem os aplicativos. Ainda assim, a extensa rede de apoio e a vida social do núcleo familiar não tornam as meninas dependentes dos mesmos.

André acredita que às vezes elas nem se lembram que o aplicativo está ali. A não ser quando o pai demora a voltar de algum evento. “Ele arrumou duas vigilantes”, brinca Carolina.

O importante é que os recursos tecnológicos não extrapolem o vínculo real de confiança construído entre as partes. “O que realmente dá segurança? A relação que as pessoas criam, o ‘contar com o outro’. Isto precisa ser nutrido e envolve um grande investimento, seja entre pais e filhos ou amigos”, fala a psicóloga Bianca Solléro.