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Entenda como a política e o crime andam de mãos dadas – e sem algemas

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Zequinha Marinho: candidato derrotado a governador nas eleições de 2022, o senador José da Cruz Marinho (Podemos) tem sua carreira política alicerçada no apoio de madeireiros e garimpeiros acusados de ilegalidades na Amazônia. Ele critica abertamente a atuação dos órgãos ambientais federais e foi acusado por abuso de poder econômico em eleições (Crédito: Divulgação)

Por Vasconcelo Quadros

Nenhuma operação estruturada de Segurança Pública será bem-sucedida se não se debruçar sobre uma das novas fronteiras do crime organizado: a Amazônia Legal. E lá fica particularmente patente a forma como políticos dão apoio a atividades ilegais.

Com dez anos de atuação na região, responsável pela Operação Handroanthus, o ex-superintendente da PF em Manaus Alexandre Saraiva meteu a mão no vespeiro ao denunciar o que chamou de bancada do crime, nominando uma penca de parlamentares que emprestam apoio a criminosos ambientais.

Citou explicitamente:
• os senadores em exercício Zequinha Marinho (PL) e Mecias de Jesus (Republicanos),
• os ex-senadores Jorginho Mello (PL), hoje governador de Santa Catarina, e Telmário Mota (Pros-RR),
• e os deputados Carla Zambelli (PL) e Ricardo Salles (PL), que em junho deste ano virou véu numa ação penal que corre no STF sob a suspeita de obstruir fiscalização de órgãos de controle e de tirar vantagens de madeireiros apanhados na Handroanthus.

Alvo de ações impetradas pelos parlamentares na Justiça, Saraiva é investigado pela própria PF pelas declarações e atualmente, depois de disputar uma vaga de deputado federal no ano passado, foi empurrado para o anonimato. A guerra entre os parlamentares com o delegado faz parte de ruidosos processos que correm na Justiça, sobre os quais, para provar o que falou e escreveu em seus relatórios, o delegado entrou com um recurso jurídico chamado exceção da verdade.

A descoberta de grandes esquemas criminosos começa sempre com a grilagem de terras públicas, o desmatamento, as queimadas e um azeitado esquema de fraudes que dá ao novo “proprietário” as guias necessárias para a exportação da madeira.

Entre 2015 e 2018, um desses proprietários, Alcides Guizoni, movimentou 41 mil metros cúbicos de madeira e lucrou R$ 16,8 milhões com exportação de toras retiradas de três áreas distintas de Trairão, município do Pará. O problema não era só a extração ilegal: identificado pela PF pelo apelido de Durepox, Guizoni tem em sua ficha três indiciamentos por tráfico de cocaína, em Curitiba, Comodoro (MT) e Vilhena (RO). É um perfil que vem aparecendo com frequência nos últimos quatro anos com a chegada à Amazônia Legal do PCC e do Comando Vermelho.

As duas facções estão infiltradas dentro e fora dos presídios nos nove estados da região e disputam a hegemonia no comércio atacadista de cocaína. Mais forte nacionalmente, o PCC fortalece seus negócios se associando a criminosos ambientais, vistos na região como empresários que movimentam a economia dos municípios e são apoiados e defendidos por alguns políticos.

É consenso entre policiais e especialistas que o avanço do crime na região foi estimulado indiretamente pelo discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que abriu as portas do governo para madeireiros e garimpeiros, além de desmontar órgãos de controle ambiental. O tráfico se aproveitou da brecha e atualmente manda pela Amazônia Legal 40% da cocaína consumida no mundo.

Proteção do foro privilegiado

Investigações contra parlamentares esbarram sempre na questão do foro privilegiado. Mas na visão da polícia não há dúvidas que o apoio a quem comete crimes ambientais, além de moralmente indefensável, está numa zona cinzenta de cumplicidade com o crime.

Num dos relatórios que produziu sobre as quadrilhas, Saraiva afirma ser possível que terras griladas da União, com documentos esquentados, sejam usadas também como garantia de acesso a empréstimos em bancos oficiais, o que significaria risco zero para o fraudador que, descoberto, só pode perder uma terra da qual jamais foi dono.

Até 2019 os bancos oficiais haviam emprestado quase R$ 6 bilhões na região a título de indenização ou para evitar a descapitalização dos produtores rurais. Para a polícia, o dinheiro da madeira é a espoleta que deflagra o processo de usurpação de terras públicas e estimula a criminalidade ambiental sustentada por lucros que também financiam a política.

Na nova dinâmica do crime, a infiltração das facções ocorre com igual intensidade nos municípios onde as rotas da madeira e do minério ilegal se cruzam com o tráfico de cocaína na fronteira com países produtores da droga (Colômbia, Peru e Bolívia) ou em cidades de regiões metropolitanas de capitais como Belém. Autor de estudos sobre o avanço das facções, o pesquisador da Universidade Estadual do Pará Aiala Colares sustenta que um plano de Segurança eficaz não pode mais distinguir o crime organizado dos ambientais. “Eles se conectam e são praticados pelo mesmo tipo de organizações.

Com poder econômico elas se infiltram na economia dos municípios”. Em localidades como Jacareacanga e Abaetetuba, que vivem praticamente do garimpo e da madeira, os criminosos ambientais não só financiam campanhas eleitorais, como também participam da vida política do município. A identificação desse elo é um dos grandes desafios do novo plano nacional de segurança.

PARLAMENTARES NA MIRA
Ex-superintendente da PF apontou seis políticos com atuação no Congresso como apoiadores de crimes ambientais

Câmara dos deputados; divulgação Jane de Araújo/Agência Senado; Jefferson Rudy/Agência Senado; Marcos Oliveira/Agência Senado