Internacional

Os estranhos sumiços na cúpula chinesa

Manifestações silenciosas no funeral do ex-primeiro-ministro Li Keqiang, rival de Xi Jinping, desafiam o regime de força chinês e escancaram a luta entre reformistas moderados e nacionalistas que seguem o atual líder

Crédito: Kiyota Higa

Crisântemos brancos e amarelos diante da casa do ex-primeiro-ministro Li Keqiang, em Hefei: forte presença policial não impediu protesto silencioso (Crédito: Kiyota Higa)

Por Denise Mirás

Os maços de crisântemos brancos e amarelos, levados pelos chineses ao funeral de Li Keqiang em Jiuzi e em outras cidades onde o dirigente trabalhou e morou, também serviam como protesto contra a política do líder Xi Jinping, agora no terceiro mandato — inédito — no comando do país.

Manifestações como essa, em memória do político morto repentinamente aos 68 anos em 27 de outubro, de ataque cardíaco (versão oficial), revelam o que realmente se passa por trás do cenário visível da política chinesa das últimas décadas: uma guerra surda pelo poder.

De um lado ficam os nacionalistas (que querem manter o domínio forte do Estado, à feição da era Mao Tsé Tung); do outro, os reformistas, adeptos da abertura que o país começou a vivenciar com Deng Xiaoping, principalmente a partir dos anos 1990.

Li Keqiang era visto como o representante dos reformistas. Dizia que a abertura da China seria “inexorável”. Para parte dos chineses era um dirigente prático (até mesmo com relação à pandemia), característica que mostrou como primeiro-ministro entre 2013 e 2023, até por ter nascido pobre, no meio rural.

Marginalizado, acabou “aposentado” em julho, três meses antes de sua morte. Xi Jinping, vindo da elite, sucedeu o presidente Hu Jintao em 2013 depois de se tornar líder do Partido Comunista Chinês em 2012. Demonstrava predisposição para o lado reformista, mas depois se colocou ao lado dos maoístas linha-dura.

Em março, Xi Jinping ao lado de Li Keqiang (dir.), ainda como primeiro-ministro, durante conferência em Pequim: o atual líder venceu o rival (Crédito:Lintao Zhang)

Partido comunista

Mesmo diante da desaceleração da economia, com alto desemprego, baixo investimento externo e setor imobiliário quase insolvente, Xi Jinping segue no poder, cada vez mais centralizador e autoritário. Conseguiu se reeleger como secretário-geral do Partido Comunista Chinês em outubro de 2022 e em março último garantiu mais cinco anos de mandato como presidente durante o Congresso Nacional do Povo.

Foi nessa assembleia que Li Keqiang se viu excluído do Comitê Central enquanto Hu Jintao, seu contemporâneo na Juventude Comunista, era arrancado da cadeira ao lado de Xi por seguranças. Essas demonstrações de força teriam sido para afastar de vez a ala política que vinha da Juventude Comunista.

A política chinesa tem dessas peculiaridades. Nem sempre o primeiro-ministro e o presidente detêm poder de fato. O que conta são alianças de interesses e “habilidades” que vão de censura a manifestações públicas a demissões sumárias de dirigentes em altos cargos ou mesmo “desaparecimentos” súbitos.

Foi o caso de Qin Gang, nomeado chanceler no fim de 2022, que era visto como o maior responsável pela reaproximação com os EUA (país rival, mas com o qual a China mantém importantes relações comerciais). Qin Gang simplesmente desapareceu por um mês e acabou destituído em julho último, sob alegação de problemas extra-matrimoniais que não seriam tolerados.

Militares de alta patente, responsáveis por áreas estratégicas, tiveram destino semelhante. Xi Jinping — ele mesmo um “desaparecido” por 14 dias em 2012, antes de chegar ao poder — não admite que haja problemas com a China. Para ele, isso seria duvidar dele mesmo. Ao menos por enquanto, essa possibilidade simplesmente não existe no atual regime.

A tradição russa contra críticos

Miligramas de novichok, droga que induz a paralisação de músculos, matam um adulto em minutos. Em agosto de 2020, foi colocada em um chá pedido por Alexei Navalny, líder da oposição russa, em aeroporto da Sibéria. O advogado se salvou. Mas isso não o poupou da perseguição do regime russo.

Em 2023 se viu condenado a quase 20 anos de prisão. O maior opositor de Vladímir Putin se tornou o exemplo mais recente de envenenamento, método que remonta à Guerra Fria e era usado frequentemente pela KGB — de onde saiu Putin, no comando da Rússia desde 2000. Foram vários os casos semelhantes, como o do plutônio radioativo que em 2006 matou o ex-agente Alexander Litvinenko em Londres.

O dissidente russo Alexei Navalny se salvou do envenenamento, mas cumpre pena na Sibéria (Crédito:Alexander Nemenov)

No primeiro semestre de 2022, com o início da guerra na Ucrânia e combustíveis se tornando arma de guerra, sete oligarcas russos do setor foram mortos por tiros ou despencaram de varandas ou penhascos em “suicídios” aparentes. Em setembro, o empresário Ivan Pechorin se afogou caindo de seu barco. Em agosto deste ano, foi a vez de Yevgueni Prigozhin, morto na queda de seu avião, depois de ameaçar Putin com um golpe de Estado.