Bilhões a perder de vista

Crédito: Pedro Ladeira

Carlos José Marques: "Qualquer um deveria ficar chocado em saber que os insaciáveis partidos políticos – que, na prática, dominam o Congresso e, por consequência, o País, por meio fundamentalmente do sempre espoliador agrupamento denominado Centrão – querem agora dobrar o chamado fundo político (Crédito: Pedro Ladeira)

Por Carlos José Marques 

Agora pense nos hercúleos desafios que o Brasil atravessa para colocar em dia as suas contas. Lembre que ocorreram até revisões de déficit orçamentário (para cima) por não ser possível alcançar os objetivos desenhados. Recorde ainda que cortes em diversas pastas estratégicas como as de Saúde e Educação estão sendo feitos devido à falta de dinheiro. Gigantesca é a escassez de verba. Nesse contexto qualquer um deveria ficar chocado em saber que os insaciáveis partidos políticos – que, na prática, dominam o Congresso e, por consequência, o País, por meio fundamentalmente do sempre espoliador agrupamento denominado Centrão – querem agora dobrar o chamado fundo político para a disputa de seus quadros nas urnas pelas eleições municipais de 2024. Isso mesmo: almejam nada menos que R$ 5 bilhões em recursos do Estado destinados às campanhas, uma aberração de tal ordem que não encontra paralelo em nenhuma outra rubrica de contas públicas. A tungada representa um ajuste generoso no montante que já foi consideravelmente alto e revisto para cima em 2022. Na escalada dos números, em 2018 o valor girava em torno de R$ 1,7 bilhão. Em 2020 foi para R$ 2 bilhões. Não parou de subir a partir dali. Os beneficiários e gestores da bufunfa não encontram limites. Desde que, no governo Bolsonaro, conseguiram abrir espaço (e colocar no corner o poder Executivo) com as famigeradas emendas do “orçamento secreto”, eles vão dando as cartas no jogo. Em uma simbiose imoral com o ex-capitão (que, aliás, também faz parte do tal Centrão) a turma se reelegeu, é majoritariamente dona da pauta no Senado e na Câmara e está, literalmente, fazendo agora o que quer. Exige e conquista cargos na estrutura burocrática estatal, arbitra distribuição de verbas aqui e ali, virou a dona do pedaço. Estabelecer um fundo partidário com valores inomináveis é apenas mais um lance (desprezível) desse golpe rumo ao controle federal — em um modelo que mais se assemelha a um parlamentarismo mequetrefe, com a gestão do mandatário rendida a eles. Não há perspectivas de o cenário melhorar daqui por diante. Nem mesmo de uma composição, digamos, mais em prol dos cidadãos. Tudo é em nome e na direção dos seus próprios interesses. Simples assim. Falta maturidade legislativa e decência de princípios aos senhores congressistas para perceberem que, nessa toada, estão afundando com qualquer chance de retomada, equilíbrio das contas e potencial de crescimento nacional. É deles a culpa! Fundamentalmente deles. As atitudes e escolhas parlamentares mostram isso. Aprovam o que querem (quase nunca em consonância com a vontade de quem os colocou lá) e rejeitam ou retardam a votação de projetos essenciais, que muitas vezes mofam nas gavetas. Falta vergonha na cara ou é mesmo uma noção deliberadamente obtusa de quem entra ali no Parlamento? Em um caso ou no outro, quem sai no prejuízo são os brasileiros de sempre — em especial aqueles mais pobres que perdem acesso, por falta de investimentos mesmo, a serviços públicos essenciais. Assim a banda toca. Ao sabor e na partitura daqueles que apreciam uma nota só. A deles e nada mais. É de uma imoralidade sem tamanho o achaque do suado dinheiro do contribuinte para fins nada republicanos. Bancar os santinhos de candidato não deveria ser missão de Estado. Ninguém quer dar cheque em branco para tamanha liberalidade, ainda mais em meio a uma carga de impostos que não para de subir. Aprovado em 2017, o fundo eleitoral sempre esteve na contramão da moralidade e dos princípios da República. Há um repúdio generalizado a essa artimanha política que, em ano eleitoral, cata essa verba de Estado dentro de um orçamento tradicionalmente bastante espremido. Nenhum cidadão minimamente consciente do que está acontecendo concorda com tanto dinheiro para bancar campanha. Para além da generosa verba, os candidatos ainda contam com doações empresariais e individuais, o fundo partidário e outros extras, muitas vezes de origem duvidosa. Não falta financiamento, na verdade. Mas a boca de jacaré dos aspirantes a funções públicas está sempre maior, evidenciando o quadro de um Brasil cada vez mais refém dos ditames do Centrão, que pilota a iniciativa. A pretendida austeridade é ignorada. Quase letra morta quando está em jogo o ganho dos legisladores. Eles hoje constituem, na verdade, por essas e outras, o maior bloco de incentivadores da gastança pública. No horizonte não há a menor previsão de teto ou regra limitadora do uso de recursos para as agremiações. Temos, na prática, as raposas cuidando de um galinheiro — e tomando tudo de assalto.