Internacional

O sonho do Rei

Charles III esperou 70 anos para assumir o trono de sua mãe, Elizabeth II. Após a pompa da coroação, aguardada por milhares de britânicos em Londres, voltará à realidade de um Reino Unido atravessado por grave crise econômica

Crédito: Photoshot; Yui Mok/WPA

ENFIM, REAIS Aos 74 anos, Charles chega ao trono britânico ao lado de Camilla, a quem dedica seu amor há pelo menos meio século (Crédito: Photoshot; Yui Mok/WPA)

Dentro da carruagem azul, puxada por seis cavalos e preparada para sair do Palácio de Buckingham às 11h (7h de Brasília), Charles Philip Arthur George está sentado ao lado de Camilla Parker Bowles. Para a Procissão do Rei, marcada para este 6 de maio de 2023, o trajeto de dois quilômetros até a Abadia de Westminster conta com mil guardas em uniformes de gala reforçados por outros cinco mil policiais, postados no entorno do Saint James’s Park e atentos a qualquer ameaça terrorista. Dali a uma hora, Charles será ungido como representante divino pelo arcebispo de Canterbury, Justin Welby, e finalmente coroado Rei ao meio-dia, com salvas de canhões estourando por todo o Reino Unido. A volta, pelo mesmo percurso, terá o casal acomodado na carruagem folheada a ouro de 1760, que puxa a Procissão da Coroação, até o reaparecimento junto à família real na sacada do Palácio.

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Charles tinha apenas quatro anos quando sua mãe foi coroada Rainha Elizabeth II, aos 25, em 1953, com transmissão ao vivo pela BBC. O garotinho não lembraria os detalhes e agora, aos 74 anos, também não abdicaria em favor de William, seu primogênito, como muitos súditos esperavam. Dentro da carruagem azul e a dois quilômetros de sua coroação, sete décadas desfilam velozes pela cabeça de Charles.

Também a caminho de ser coroada, ao lado dele está Camilla, que conheceu aos 25 anos. O casamento de fadas com Diana apenas cumpriu seu papel, nos 15 anos de duração até o divórcio, entre 1981 e 96, que Charles deve repassar em detalhes, na memória, ao repetir esse trajeto. Assim como cenas do cortejo funerário de Lady Di, em 1997, em que acompanhou os filhos William e Harry ainda adolescentes, a pé, ao lado do pai, Philip. E momentos mais festivos, como do Jubileu de Platina, pelos 70 anos de reinado de Elizabeth II. Mesmo fechado na carruagem azul, Charles também respira o clima de deslumbramento que está por toda Londres há meses, com ruas, galerias e avenidas enfeitadas por faixas penduradas e vitrines de lojas oferecendo milhares de itens em lembrancinhas.

A caminho da Abadia de Westminster, flashes de seu perfil cunhado em moedas, e também estampando de canequinhas a vidros de molho de tomate, devem desfilar em alta velocidade por essa memória de 70 anos de espera. A coroação se dá em meio à crise econômica do Reino Unido (de acordo com antimonarquistas, a cerimônia custará entre um milhão e um milhão e meio de libras esterlinas, ou entre R$ 6,3/R$ 9,3 milhões) e, por isso, Charles espera por manifestações de protesto em seu grande dia. Estariam repassando por sua mente notícias de restaurantes e pubs que esperam por recordes de vendas em pints de cerveja? Ou pensaria no megashow que atrairá milhares de pessoas aos gramados do Castelo de Windsor no domingo à noite, com estrelas como Andrea Bocelli, Lionel Ritchie, Tom Cruise e até o mágico Dynamo?

Meia-pompa

Ao menos o cerimonial baixou o número de convidados para 2.200 (em 1953 foram mais de 8 mil) e incluiu populares; encurtou o desfile pela metade e limitou a carruagem ostensivamente dourada apenas à volta. O novo Rei percorreu o trajeto saudado pela multidão pensando no roteiro que o espera na Abadia e repassando os passos obrigatórios de sua coroação. Será reconhecido como “Rei inquestionável” pelo arcebispo de Canterbury e fará um juramento. Sua unção é sagrada e, por isso, um biombo resguardará esse momento da tevê ao vivo: o óleo originário do Monte das Oliveiras, misturado com canela, alecrim e almíscar, e que fica acondicionado em uma ânfora em forma de águia, é recolhido por uma colher de ouro secular para sua bênção — na testa, peito e mãos.

NO PASSADO Meghan e Harry,
Kate e William: a nora americana
optou por não ir à coroação do sogro (Crédito:Chris Jackson)

Já paramentado, é meio-dia (8h de Brasília) e Charles recebe a coroa de ouro de Saint Patrick. Nesse exato momento, seis canhões são acionados ao mesmo tempo. E salvas simultâneas com 21 tiros são ouvidas em várias localidades do Reino Unido. Com um quilo e meio de ouro, essa coroa é usada apenas durante a cerimônia. Na saída, equilibra a Coroa Imperial de Estado, com mais de 3 mil diamantes.

No retorno ao Palácio de Buckingham (residência e local de trabalho), Rei Charles III desperta de seu sonho de 70 anos. Atrás da carruagem dourada seguem descendentes e família — William e Kate Middleton, os netos George, Charlotte e Louis. E Harry. Mas não a esposa do último, Meghan Markle, nem os pequenos Archie, que faz quatro anos nesse sábado, e Lilibet. Os três ficaram em casa, na Califórnia, depois de Charles ter destituído o caçula de seu palácio na Inglaterra… E surgem as insinuações da nora sobre racismo na família real, trechos do livro em que Harry se retrata como um “reserva”, “um plano B”. Mas é preciso prestar atenção ao protocolo. A multidão espera os acenos da família real na sacada do Palácio e Rei Charles III agora tem bem claro o significado do que ouviu por estas décadas de espera: God save the King (Deus salve o Rei).

Londres é uma festa

Multidões As brasileiras Luciana Galhardo, advogada, e Débora Ayala, dentista, se programaram para reviver a festa do Jubileu de Platina de Elizabeth II na coroação de Charles III, “um momento único na vida”, assim como milhares de britânicos

Primeira vez

Elizabeth II foi coroada em 1953, com transmissão ao vivo pela BBC para 27 milhões de espectadores, que dois meses antes compraram 2,5 milhões de tevês; 8,2 mil nobres lotaram 11 patamares na Abadia de Westminster e 96 mil súditos ficaram em arquibancadas do lado de fora

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Quilates de saia-justa

A coroa da Rainha Mary, a ser usada por Camilla, tinha o diamante Koh-i-Noor , de 105 quilates, em posse dos britânicos desde 1850, quando a Índia foi anexada ao Império. De broche da rainha Victoria, passou à coroa da Rainha-Mãe Elizabeth em 1937, mas pela questão do espólio de riquezas de colônias se tornou incômodo, porque hoje o Reino Unido tem um primeiro-ministro com ascendência indiana — Rishi Sunak. “Substituíram o Koh-i- Noor na coroa da Rainha Mary pelos Cullinan 3 (em formato de gota, com 90 quilates) e 4 (com 60), os ‘caquinhos da vovó’, usados como broches por Elizabeth II. O Cullinan original, com mais de 3 mil quilates, tem origem sul-africana e foi dividido em nove pedaços. O 1 está na Coroa de Saint Patrick e o 2, no cetro”, conta o gemólogo brasileiro Rafael Lupo Medina, há 30 anos na Cartier de Paris, e que foi a Londres garantir a moeda comemorativa da coroação de Charles III, com uma onça de prata 95,8% pura, para sua coleção particular.

TROCA A coroa da Rainha Mary, a ser usada por Camilla, teve gemas substituídas, segundo o gemólogo Rafael Medina (Crédito:Divulgação)
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