Economia

Os novos biocombustíveis

A crise do petróleo que se instaurou nas últimas décadas, aliada ao aumento da demanda por combustíveis e à crescente preocupação com o meio ambiente, preconizou a busca por fontes alternativas de energia no Brasil e no mundo. Hoje já é possível obter etanol de diversas biomassas além da cana de açúcar

Crédito: Jonatas Lima

APOSTA Colaborador do grupo BBF com cacho de palma produzida no Pará (Crédito: Jonatas Lima)

Por Mirela Luiz

Um dos principais desafios globais dos últimos anos, e também dos próximos, é a realização de mudanças estruturais na matriz energética com o objetivo de substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis, em especial as chamadas energias limpas. Nesse movimento, o Brasil tem potencial para se tornar um dos principais expoentes e diversas empresas estão investindo pesado para entrar no nicho. A Shell, por exemplo, firmou parceria com SENAI Cimatec para avançar para a segunda parte do programa Brave (Brazilian Agave Development – Desenvolvimento de Agave no Brasil).

Com investimento de aproximadamente R$ 100 milhões no Brave, a iniciativa pretende usar o agave, planta que serve para fazer a tequila, como fonte de biomassa para produção de etanol, biogás e outros produtos no sertão nordestino.

TRANSFORMAÇÃO No laboratório, a palma é transformada em óleo (Crédito:Photograf)

A intenção da empresa é utilizar 100% do potencial do agave, não só a fibra do sisal, para obter etanol de primeira e segunda gerações. “É um projeto realmente diferenciado, inovador e transformacional”, diz Alexandre Breda, gerente de Tecnologia de Baixo Carbono da Shell Brasil.

Historicamente, as fontes de energia mais utilizadas no Brasil são fósseis, derivadas do petróleo. Embora a matriz nacional tenha participação de renováveis acima da média mundial (46% contra 14%), ainda há um longo caminho a ser percorrido em direção à descarbonização.

O Brasil tem tradição no aproveitamento energético de fontes renováveis. Ainda em 1975 foi criado o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), o primeiro movimento no mercado de biocombustíveis. A produção de etanol hidratado deslanchou ao longo das décadas: em 2021 foi de aproximadamente 16,8 bilhões de litros, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Com a necessidade cada vez maior de se oferecer uma geração de fonte sustentável e limpa, o País vem avançando nas pesquisas de novas matérias-primas para geração de combustível e energia limpa. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), atualmente só 25% dos combustíveis vêm de fontes renováveis; no entanto, o Brasil tem potencial para ser um dos líderes mundiais em ‘energia verde’.

Pesquisadores do Laboratório de Fisiologia Ecológica da Universidade de São Paulo (Lafieco-USP) estão estudando vários materiais para saber o potencial para produção biocombustível, como o bagaço de cana, bagaço de cevada, palha de milho, farelo de trigo, casca de arroz, casca de café, borra de café, palha de feijão, sabugo de milho e cavaco de eucalipto. “Estamos analisando a química desses materiais. Um dos principais, com o qual estamos animados, é o resto da soja que fica no campo”, explica o pesquisador da USP Marcos Buckeridge.

Atualmente, 70% da produção de biodiesel utiliza soja como matéria-prima. Por outro lado, o Brasil conta com uma gama de oleaginosas com grande potencial energético, ainda pouco utilizadas. A palma de óleo, por exemplo, pode render uma média anual de cinco toneladas de óleo por hectare, ante a 0,4 tonelada de óleo da soja. Além disso, a palma ou o dendezeiro, como é conhecido, apresenta um balanço positivo em termos de emissões de carbono e conta com o zoneamento agroecológico da palma de óleo, definido em 2010 pelo governo, determinando que o plantio só possa ser feito em áreas degradadas até 2007, com o intuito de recuperá-las. Hoje há menos de 200 mil hectares cultivados por um pequeno número de empresas, que atuam nos estados do Pará e Roraima; uma delas é o Grupo BBF, que iniciou o cultivo do óleo de palma em 2008 nessa região pertencente ao chamado Sistema Isolado — que não estão conectados com o Sistema Interligado Nacional de abastecimento de energia elétrica —, e atualmente é a maior produtora de palma da América Latina, empregando cerca de 30 mil pessoas na região Norte do Brasil. “É possível levar uma energia mais limpa e barata às populações dos estados do Norte, recuperar as áreas degradadas da Floresta Amazônica e empregar os moradores sem precisar levar diesel do Sudeste do País”, explica Milton Steagall, CEO do Grupo BBF.

NOVAS POSSIBILIDADES Trabalhador na colheita do agave no México (Crédito:istockphoto)

A palma de óleo é uma cultura rústica e totalmente manual. Para a sua produção não é necessário o uso de fertilizantes químicos e defensivos agrícolas em escala, como culturas de soja, cana-de-açúcar e algodão. “Por isso, não há risco de contaminação do meio ambiente”, afirma Steagall.

O avanço é claro e em breve, de acordo com a meta inicial do Ministério de Minas e Energia, o País terá capacidade para triplicar a sua produção de biocombustíveis até 2030.