Economia

Construção: como formar mão de obra em meio a carência de capacitação

O setor comemora o crescimento, mas a carência de profissionais qualificados afeta canteiros pelo País. Faltam pedreiros, carpinteiros e mestres de obras, em um cenário que tem se agravado com a proximidade das eleições municipais

Crédito: Marco Ankosqui

Em Pinheiros-SP pedreiros levantam mais um prédio de luxo, enquanto homem visualiza a vaga de emprego (abaixo) (Crédito: Marco Ankosqui)

Por Mirela Luiz

Em meio à agitação econômica, o mercado das incorporadoras enfrenta um dilema que ainda não foi equacionado: a crescente falta de mão de obra qualificada. Apesar de o País estar próximo de retornar os patamares de emprego de 2014, com 2,6 milhões de vagas, um detalhe crucial ameaça o setor: a formação dos profissionais.

(Marco Ankosqui)

Para as construtoras, 2014 foi um ano dourado. Com três milhões de vagas com carteira assinada, o segmento estava em plena ascensão. No entanto, os ventos mudaram e, com eles, os desafios se intensificaram. A recessão atingiu em cheio o mercado, e embora o número de empregos esteja se recuperando, a qualidade dessa mão de obra e a qualificação dos trabalhadores tornaram-se pontos de interrogação.

“O setor da construção civil tem passado por mudanças significativas nos últimos anos, resultando em redução no número de empregos diretos. A Reforma da Previdência, por exemplo, levou muitos trabalhadores a requererem aposentadoria, enquanto outros buscaram oportunidades em outras regiões do País”, explica Antônio de Sousa Ramalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de São Paulo (Sintracon).

Estudo feito pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) indicou que cerca de 70% das empresas do setor enfrentam barreiras para contratar profissionais qualificados.

Outra pesquisa realizada pela Comissão de Políticas de Relações Trabalhistas (CPRT), da Câmara Brasileira da Industria e da Construção (CBIC), traz resultados semelhantes. Divulgado em 2022, o estudo analisou as dificuldades na contratação de mão de obra qualificada no País e concluiu que aproximadamente 90% das empresas passaram por dificuldades na atração desses operários.

As áreas de maior escassez de profissionais foram:
• pedreiros, com 82%;
• carpinteiros, com 78,7%;
• mestre de obras, com 74,7%;
• e encarregado, com 70%.

Outro dado relevante indica que a falta de qualificação da mão de obra terceirizada atingiu 94,7%.

Falta de pedreiros é o que mais prejudica o setor da construção civil (Crédito:Marco Ankosqui)

Cursos de capacitação

Entre as principais causas dessa escassez estão:
a falta de investimentos em capacitação profissional,
a desvalorização dos trabalhadores da área,
• a falta de incentivos para que os jovens escolham uma carreira na construção civil
.

“Há uma percepção equivocada de que trabalhos no setor de construção são menos prestigiados, o que pode afastar talentos potenciais. As empresas também precisam reconhecer a importância de investir em treinamento e desenvolvimento contínuo de seus funcionários”, analisa Marlon Pascoal Pinto, CEO da Engehall NR.

A retomada de grandes projetos de infraestrutura é uma esperança para o crescimento do segmento nos próximos anos. No setor privado, há sinais animadores.

Na área residencial, na cidade de São Paulo, por exemplo, foram lançadas em média, nos anos de 2019 e 2020, cerca de 100 mil unidades. Já no período entre 2021 e 2022 foram lançadas mais de 160 mil unidades, um aumento significativo (em torno de 60%).

As obras públicas e de infraestrutura também vêm pressionando o mercado da construção em 2023, muito por ser um ano pré-eleitoral. Essa expansão foi comemorada, mas apontou gargalos. Como 2023 se transformou em um ano de muitas entregas, o preenchimento de vagas formais ligadas ao acabamento e instalações prediais, no campo privado, tornou-se um problema.

“Nesse patamar, a escassez de mão de obra direta assumiu o protagonismo no nosso rol de dificuldades. Estou me referindo a ceramistas, pedreiros de acabamento, eletricistas, encanadores, pintores, passando por mestres de obras e encarregados, principalmente com viés de acabamento. Não devemos achar que o problema vai estabilizar. No próximo ano, ainda teremos programas habitacionais de amplo impacto, além do aquecimento das obras de infraestrutura”, afirma David Fratel, coordenador do Grupo de Recursos Humanos do Comitê de Tecnologia e Qualidade do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo (Sinduscon-SP).

Para solucionar esse impasse, Ramalho aponta a necessidade de uma série de iniciativas, como parcerias com instituições de ensino, escolas técnicas e universidades para capacitar os profissionais.

“A falta de qualificação não surge do nada. Há diversos fatores contribuindo para esse cenário. O sistema educacional, em muitos aspectos, não tem conseguido atender às demandas específicas do setor. A formação técnica e profissional precisa ser mais alinhada com as necessidades reais das incorporadoras”, analisa.

Mesmo diante desses desafios, existem iniciativas promissoras, como parcerias com instituições como Sebrae e Senai, que têm contribuído para a formação de novos profissionais. Ainda assim, é necessário enfrentar o preconceito e despertar o interesse da nova geração para as oportunidades que o setor oferece.