Os Invisíveis

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Rachel Sheherazade: "O Brasil tem, hoje, quase três milhões de pessoas sem registro civil e, portanto, sem cidadania" (Crédito: Divulgação)

Por Rachel Sheherazade

A nossa espécie evoluiu por meio da cooperação entre pequenos grupos de indivíduos. É um resquício evolutivo dos nossos primos gorilas e chimpanzés, que se organizam em bandos para sobreviver.

Entre os primatas, vale a máxima do um por todos e todos por um. O chefe do grupo dos chimpanzés é o macho alfa, ou macho dominante, uma espécie de político talentoso que celebra acordos e coalizões para gerir todo o grupo e se manter, durante o maior tempo possível, no poder.

Quem não está no grupo torna-se uma alvo fácil de bandos rivais ou de outros predadores.

Esse modelo de cooperação foi copiado por todas as espécies humanas — do Homo Erectus ao Sapiens. Trabalhando em equipe, aprendemos a caçar os grandes mamíferos, saltando para o topo da cadeia predatória. Foi graças à cooperação que criamos a linguagem, as ferramentas, a arquitetura, a cultura, as religiões…

Por isso, diz-se que o homem é um ser social.

Sem um grupo para chamar de seu, o indivíduo vive à margem e não passa de um invisível.

No Brasil, há milhões assim. São homens, mulheres, geralmente pretos e pardos, pobres em sua totalidade, destituídos de nome, sobrenome, certidão de nascimento. Sem lenço e sem documento, eles passam despercebidos pela sociedade e pelo Estado. Existem de fato, mas não de direito.

Os invisíveis estão por toda parte: refugiados, indígenas, sem tetos, encarcerados e internos em manicômios. Ninguém olha por eles, que não compram nem votam

E por não existirem, são destituídos de todas as garantias reservadas aos cidadãos.

A eles, só lhes foi dado o direito natural de nascer. Depois desse, todos os outros lhes foram negados.

Pois todas as garantias jurídicas derivam de um primeiro ato civil: o registro de nascimento. De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o Brasil tem, hoje, quase três milhões de pessoas sem registro civil e, portanto, sem cidadania.

Sem documentação, essas pessoas não têm acesso à creches, escolas, atendimento médico. Quando adultos, não podem tirar carteira de trabalho, e, portanto, tornam-se destituídos dos seus direitos trabalhistas. Não votam, não são votados. Esses brasileiros não têm direito a gozar de programas sociais ou benefícios previdenciários. Não podem casar-se e sequer registrar os próprios filhos. São ignorados nos censos e nem na morte passam a existir.

Os invisíveis estão por toda parte: refugiados, indígenas, sem tetos, encarcerados e internos em manicômios.

Ninguém olha por eles, afinal os invisíveis não possuem bens, não compram nem votam. Os invisíveis nascem da miséria física e moral, e persistem graças à indiferença de quem tudo vê, tudo ouve, pouco fala e nada faz.