Um pressentimento que falhou

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Bolívar Lamounier: obscuridade do catatau de Sartre evocando terrorismo salvou o filósofo de uma saraivada de críticas (Crédito: Divulgação)

Por Bolívar Lamounier

Em 1979, o cientista político Paul Wilkinson publicou pela editora da Universidade de Nova York um livro que quase chegou a ser considerado um clássico; não um clássico no gênero histórico ou literário, mas premonitório.

Premonição, como se sabe, é sinônimo de presságio ou pressentimento. Um aviso ou alerta de que algo muito ruim está para acontecer. O alerta de Wilkinson era sobre o terrorismo, mas não, caro leitor, ainda não sobre o terrorismo nutrido pelo fanatismo islâmico. Nenhuma referência direta ou indireta às 2.200 bombas lançadas sobre Israel três semanas atrás, na madrugada de 7 de outubro, que provocaram violenta reação de Israel e milhares de mortos, militares e civis.

O livro a que me refiro veio a público com o título Terrorismo e o Estado Liberal. Doces tempos aqueles. A advertência de Wilkinson nada tinha a ver com o Hamas e o Hezzbolah, muito menos com o regime iraniano, que os alimenta com pesado material bélico.

O perigo terrorista que ele anteviu tinha como pano de fundo o Estado liberal, a democracia, o Iluminismo — a civilização moderna, enfim. A ideia de uma ordem mundial regida por instituições sérias, amantes da paz. Sua principal fonte não foi o Alcorão, tampouco o documento de fundação do Hamas, com suas setecentas e tantas páginas e dezenas de referências ao “imperativo” de destruir o Estado de Israel e dizimar todos os judeus — eco nada original da “solução final” proclamada por Hitler em 1941.

O alerta de Wilkinson era sobre o terrorismo, mas não, caro leitor, ainda não sobre o terrorismo nutrido pelo fanatismo islâmico

Não, não era (ainda) nada disso.

Era um catatau de 755 páginas, em letras minúsculas, sem índice de matérias nem remissivo. Quem o concebeu – pasmem! – foi o consagrado filósofo Jean-Paul Sartre, certamente enquanto saboreava seu vinho predileto numa cômoda poltrona do Deux Magot. Seu título: Crítica da Razão Dialética. Com a chancela do ilustríssimo filósofo francês, o monstrengo – uma explícita e espantosa louvação do terrorismo – foi divulgado em quase todas as universidades do mundo. Para Sartre, matar um “burguês” ou “pequeno-burguês”, por qualquer meio e em qualquer circunstância, equivaleria a prestar um serviço à humanidade, vale dizer, ao socialismo e à sociedade sem classes. Naquela época, um intelectual de respeito só podia circular pela universidade portando seu exemplar debaixo do braço. O que salvou seu autor de uma saraivada crítica sem precedentes foi a obscuridade do livro. Encontrei dezenas de referências a ele, nenhuma, porém – salvo as de Wilkinson e a minha –, que tivesse ultrapassado
o capítulo introdutório.