Combustível e energia podem subir, afetados por cenário sombrio, dizem analistas

Último reajuste dos combustíveis veio em agosto e defasagem para preços internacionais do petróleo chega a 25% (Crédito: Marco Ankosqui)
Por Regina Pitoscia
RESUMO
• Preços administrados pelo governo, como combustíveis e energia, ameaçam sair de controle
• Motivo seria o conflito no Oriente Médio e as secas no Norte, que encareceram os custos da eletricidade
• Dilema é como segurar reajustes e conter a inflação
Um novo aumento nos preços do petróleo em decorrência do conflito no Oriente Médio é tudo o que o governo não precisa em sua difícil missão de controlar os preços administrados, sobretudo dos combustíveis e da energia, e, ao mesmo tempo, segurar a inflação. Desde setembro, o cenário vem se complicando em diversas frentes:
• Rússia e Arábia Saudita anunciaram cortes em sua produção e jogaram a cotação do barril próxima dos US$ 100, com defasagem nos preços internos da gasolina e do diesel;
• as fortes secas na região Norte obrigaram o acionamento de usinas térmicas, as mais caras, para evitar corte no fornecimento de energia,
• e o calor exagerado elevou o consumo.
Condições que abrem espaço para pressão dos setores por reajustes de preços, mas essa corda vem sendo esticada pelo governo, que adia reajustes o quanto pode para evitar um mal maior:
• disparada da inflação,
• interrupção da queda dos juros,
• mais dificuldades para destravar o crescimento do País.
“O que temos observado em nove meses de governo Lula é uma certa parcimônia para o repasse de aumento nos preços administrados. No caso dos combustíveis, o último reajuste aconteceu em agosto, e só foi autorizado diante do risco de desabastecimento”, relata o professor Cristiano Correa, do Ibmec-SP.
No caso da energia, em vez de ligar uma termoelétrica, a opção poderia ter sido a de restringir o consumo, mas não foi o que aconteceu. São medidas mais frouxas que chegam de forma desastrosa na inflação. Nas duas situações, se houver aumento de energia ou de combustível haverá impacto na inflação e em outros preços da economia, pondera o professor.
Defasagem
O temor de uma nova disparada dos preços do petróleo foi renovado com a guerra na Faixa de Gaza, especialmente se o Irã, que havia aumentado produção e fornecimento do produto, for envolvido nos conflitos.
“Se chegar até uns US$ 92 ou 93 por barril, não deve haver tanto barulho por aqui, não vai piorar tanto a paridade dos preços dos combustíveis, que chega a 25%. O governo pode fazer um repasse, o mínimo possível, que ainda será viável. Quando a política de preços era regida pela paridade internacional, o PPI, o petróleo subia lá fora e os preços seguiam aqui, agora o governo espera pelo melhor momento e não o faz de imediato”, esclarece Correa.
“É bastante perceptível que há pressão sobre os preços administrados e a inflação está subindo.”
Juliana Inhasz, professora do Insper
Segundo ela, o aumento nos preços administrados vai afetar diretamente o consumo, toda a cadeia produtiva, inclusive de alimentos, e dificultar o controle da inflação. “O governo terá de optar entre segurar os repasses e os preços ou amargar uma derrota no cumprimento das metas de inflação, ou ainda fazer algo no meio termo, com impacto menor para chegar a um resultado primário próximo de zero em suas contas no ano que vem.”
O governo não deve permitir o repasse total, porque já vem de fracassos com o arcabouço fiscal e Reforma Tributária, mas também não pode adiar muito a correção dos preços para não gerar uma distorção diante de outros preços da economia.
Na visão da professora, é possível reter o repasse por no máximo mais um ano ou um ano e meio. Ela lembra que é preciso ver ainda o timing das decisões, para que seus reflexos não atrapalhem os planos de reeleição do presidente.

Na composição do IPCA, índice oficial da inflação, são incluídos 377 itens, entre produtos e serviços. Os 20 de maior peso no cálculo são responsáveis pela metade dos números finais da inflação e gasolina e energia estão no topo, esclarece o professor da Fundação Dom Cabral Eduardo Menicucci.
“Há uma concentração dos preços administrados e estabelecidos pelo governo no cálculo da inflação, a pressão é muito grande. Em algum momento, a Petrobras terá de fazer o repasse.”
Eduardo Menicucci, da Fundação Dom Cabral
O presidente da estatal, Jean Paul Prates, reconhece que haverá mais volatilidade no mercado de petróleo, com pressão especialmente sobre o diesel, mas sinaliza que a intenção é a de segurar os repasses para os preços internos.
Antes do início do conflito no Oriente Médio, a perspectiva era a de mais um reajuste dos combustíveis até o final do ano, mas agora a empresa vai acompanhar os desdobramentos e poderá rever essa estratégia.

Os preços da gasolina, diesel e etanol, todos impactam na cadeia logística e de produção da economia, diz Menicucci. No caso das usinas termoelétricas, o potencial de desastre na inflação é duplo, não só pelo aumento nos custos de energia, mas porque usam diesel.
As tarifas terão igualmente de ser revistas. Essa tensão na administração de preços e inflação já vem refletida nas projeções do mercado financeiro, aponta o professor da Fundação Dom Cabral. A expectativa é de que os preços administrados subam 10,20% este ano, na composição do IPCA, enquanto os preços gerais aumentem em torno de 4,8%.
Paralelamente, os juros que são calibrados de acordo com a inflação, lembra ele, estão caindo ao ritmo de 0,5%, e a previsão é de que nas próximas duas reuniões do Banco Central haja mais dois cortes na mesma proporção.
“Mas dependendo dos números da inflação é possível que não caiam na última reunião.” Segundo o economista, os juros precisam cair porque o resultado pode ser um crescimento econômico medíocre em 2024, de apenas 1,5%, com queda de arrecadação, aumento do desemprego e inadimplência, pontua o professor.