Economia

Mercado de carbono avança, mas falta o agro

A regulação da emissão de gases de efeito estufa no Brasil vai permitir a implementação de políticas públicas para os setores industriais e de energia. Mesmo ficando fora da legislação, o agronegócio terá de se render à descarbonização para ser competitivo na economia global

Crédito: istockphoto

Mercado de carbono: acordo de última hora entre a Comissão do Meio Ambiente do Senado e a bancada ruralista excluiu do projeto as atividades do agronegócio (Crédito: istockphoto)

Por Regina Pitoscia

A aprovação do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono no Brasil é considerada um passo importante e positivo sob os aspectos econômicos, ambientais e sociais, mas poderia ter sido melhor e mais abrangente se o setor agropecuário não tivesse ficado de fora. O texto que passou no Senado, e será apreciado na Câmara, cria um teto para as emissões de gases de efeito estufa (GEE). As empresas que emitirem abaixo dele vão poder negociar com as que excederem o seu limite, criando um mercado e atribuindo preço ao carbono.

Causou estranheza o acordo de última hora entre a Comissão do Meio Ambiente do Senado e a bancada ruralista que excluiu do projeto as atividades do agronegócio, responsáveis por mais de 70% do total das emissões de GEE no País.

Vanessa Pinsky, professora da FIA Business School, tem explicações: “Se tivessem deixado o agro no projeto neste momento, o mercado regulado de crédito de carbono não teria sido aprovado no Brasil. Vamos ter pé no chão, se a gente não tem coalizão no Congresso com a bancada ruralista ditando as normas, o que adianta ficar batendo nessa questão do agro?”.

“Se tivessem deixado o agro no projeto, o mercado de carbono não seria aprovado no Senado.”
Vanessa Pinsky, da FIA

Embora seja crucial, a inclusão da agropecuária é muito complexa por envolver uma cadeia extensa, questões técnicas setoriais e forças políticas no País, argumenta a professora.

Para ela, fragmentar os setores que exigem tratamentos e políticas públicas diferenciadas foi uma decisão acertada para permitir o avanço do tema no País. “O setor do agronegócio é intensivo em carbono, o nosso problema está lá, com emissões oriundas do setor de mudanças do solo, do desmatamento e da degradação florestal”, pondera ela.

“É óbvio que seria muito importante que o agro estivesse dentro desse mercado de carbono, porque somos diferentes de outros países como Alemanha, França e Rússia, onde a maior parte das emissões não vem do agro, mas do setor industrial e de energia”.

Empresas que reflorestam vão poder vender suas cotas excedentes de CO2 (Crédito: Zanone Fraissat)

Pressão externa

Vanessa defende agora a construção de uma política pública de descarbonização do agro, até porque se providências não forem tomadas, alerta ela, o agronegócio brasileiro vai ficar de fora do comércio com a União Europeia por causa das barreiras não tarifárias.

Algumas delas entraram em vigor no último dia 1° de outubro e prevêem cobrança de tarifa para produtos importados com base em quantidade de carbono emitido na produção de commodities.

“A entrada nesse mercado de carbono é uma ferramenta estratégica para as empresas exportadoras do Brasil, que terão de desenvolver tecnologias e estratégias de descarbonização para enfrentar as desvantagens competitivas do mercado global”, afirma a professora.

“As emissões de CO2 têm um custo social, que estamos pagando, e que precisa ser internalizado pelas empresas.”
Fábio Alperowitch, da Fama Investimentos

O marco regulatório do mercado de carbono vai enquadrar empresas emissoras a partir de 10 mil toneladas de gás carbônico por ano. As que produzirem acima de 25 mil toneladas estarão sujeitas a monitoramento mais rígido com apresentação de relatórios periódicos de emissões e, todas elas, estarão sujeitas a multas de até 5% do faturamento bruto pelo descumprimento das regras.

Ao mesmo tempo, a legislação traz uma lista extensa de benefícios, a começar pela redução da emissão de gases de efeito estufa, que são os responsáveis pelos fenômenos climáticos extremos, secas e chuvas acentuadas e inundações.“Ter uma política de governo colocando um preço no carbono é muito positivo, pois isso manda um sinal importante para o mercado de que as emissões de CO2 têm um custo social, que todos estamos pagando, e que precisa ser internalizado pelas empresas”, afirma Fábio Alperowitch, autoridade em temas de ESG no País e CEO da Fama Investimentos.

“Além disso, o mercado regulado é uma medida que vai ajudar a controlar e reduzir as emissões de carbono do Brasil, o que é uma obrigação do País no Acordo de Paris”, acrescenta o executivo.

“A regulação vai ajudar a reduzir as emissões da forma mais barata para a sociedade”
Guarany Osório, da FGV

Para o pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV, Guarany Osório, a regulação “é um instrumento que vai ajudar a reduzir as emissões da forma mais barata para a sociedade. Vai pegar alguns setores, colocar um teto de emissões e, dentro dele, as empresas poderão trocar direitos de emissão, as chamadas cotas de emissão. Os agentes vão procurar comprar as cotas de quem teve o processo mais barato para reduzir”.

Osório explica que atualmente empresas dos setores da siderurgia, do alumínio, do cimento, e as grandes empresas no Brasil, já têm todas as metodologias e as métricas para mensurar e fazer o inventário de suas emissões de forma voluntária. “Mas na regulação essa mensuração se torna o ator principal”, afirma.

Vanessa Pinsky, da FIA, ainda elenca outros resultados positivos que poderão vir com a nova legislação, como:
• colocar o País em posição de destaque na promoção de uma transição para uma economia de baixo carbono,
• taxar os maiores emissores para financiarem essa transição,
• gerar emprego e renda com foco na economia verde,
• promover desenvolvimento de novas tecnologias para reduzir a carbonização e de novos processos de produção.