Comportamento

Palácio Itamaraty, no Rio: como uma reforma traz luz à história do Brasil

Situado no centro do Rio de Janeiro, o palácio cor-de-rosa passa por processo de restauração e resgata, por meio dos milhares de itens do seu acervo histórico, um pedaço da identidade brasileira que vem sendo forjada ao longo dos séculos

Crédito: Divulgação

Palácio Itamaraty, ao lado da Central do Brasil: espelho d’água e belas palmeiras imperiais (Crédito: Divulgação)

Por Denise Mirás

Conservar e restaurar bens culturais aguça a curiosidade sobre relatos, fotos e documentos. É o que destaca Marcelo Fraga Lima Motta, profissional da área, para quem a divulgação dessas histórias tem papel preponderante na formação de identidades, sejam pessoais ou mesmo nacionais. Com as reformas no Palácio Itamaraty, a população do Rio de Janeiro que se aperta nas catracas da Central do Brasil terá mais chance de se interessar por tudo que guarda aquela fachada neoclássica, a duas quadras da principal estação de trem da cidade:
• salas suntuosas,
• biblioteca,
• jardim com espelho d’água rodeado de palmeiras imperiais,
• Museu Diplomático, único no mundo,
• e uma Biblioteca Histórica.

Pelos caminhos percorridos entre os tesouros do Palácio Itamaraty, o público acompanha como foi forjada a identidade do Brasil diante do mundo.

“Com a restauração, o que está escondido volta à vida”, comenta Marcelo. “Trabalha-se com o mínimo de intervenção possível, no caso, porque o objetivo é que as pessoas olhem para determinados objetos e se interessem, perguntem sobre eles. Assim, recebem as histórias de volta, evitando-se que caiam no esquecimento.”

Embora não participe diretamente desse projeto, o profissional de conservação e restauração de bens culturais destaca a importância de se divulgar um local como o Palácio Itamaraty ao grande público, incentivando visitas, principalmente de escolas, para se despertar a atenção das crianças.

A renovação do local tem como primeiro foco o G20, bloco que reúne os países mais ricos do mundo, representações da União Europeia e da União Africana. A ideia é que as reuniões sejam ali, a partir de 1º de dezembro, quando o Brasil passa a exercer a presidência do grupo (até 30 de novembro de 2024).

Encontro do G20: parte das reformas estará pronta em dezembro para reuniões do bloco dos países mais ricos do mundo (Crédito:Divulgação)

O custo do projeto, para a transformação do local em centro cultural, será de R$ 33,2 milhões, com cotas de estatais como o BNDES (R$ 16,3 milhões) e também de empresas privadas.

O valor compreende reformas de instalações e conservação, catalogação e digitalização de milhares de livros, documentos, fotos e mapas.

O trabalho dos restauradores: planos minuciosos para recuperação de móveis e objetos (Crédito:Tomaz Silva/Agência Brasil)

Construído por Francisco José da Rocha Filho (o conde de Itamaraty) entre 1851 e 1854, o palácio foi vendido por sua viúva Maria Romana em dezembro de 1889, para se tornar a sede do recém-formado governo republicano, que por lá seguiria até 1898.

Tombado já em 1938, o palácio pintado em tom de rosa-velho abrigou o Ministério das Relações Exteriores (MRE) até sua transferência para Brasília, em 1970.

À margem da Avenida Floriano Peixoto, no centro da cidade, hoje é o Escritório de Representação do MRE no Rio de Janeiro e sede do Centro de História e Documentação Diplomática e da Fundação Alexandre de Gusmão.

Tem 78 salas, batizadas de acordo com caracterizações — caso da Sala dos Índios, com papel de parede inspirado em motivos do pintor holandês Johan Moritz Rugendas.

Suas janelas e portas em ferro e bronze vieram da Inglaterra; da Alemanha chegaram instalações metálicas para os arquivos e maquinário de desinfecção; dos EUA, o piso em linóleo.

O acervo está dividido pelo Arquivo Histórico, o Museu Histórico e Diplomático e a Mapoteca, a mais importante da América Latina, com 30 mil itens.

Entre eles está o lendário mapa-múndi de 1512, de autoria do navegador Jerônimo Marini, onde o Brasil aparece pela primeira vez. Por lá se veem diversos objetos, de pinturas a mapas; de louças a luminárias; de tapetes a medalhas.


Utensílios do dia a dia: costumes revelam os hábitos de uma época (Crédito:Divulgação)

E coleções de jornais, além das dezenas de livros, com edições raras de viajantes que estiveram no País no século XIX. Lá também estão centenas de documentos da diplomacia brasileira, muitos sobre limites territoriais — desde que os portugueses assinaram o Tratado de Tordesilhas, em 1494.

Seguiram-se questões da época da Independência, em 1822, de negociações com Uruguai e Paraguai, e dos contornos de Amapá e Acre, já no século 20, que mostram como o Brasil foi ganhando a sua “cara”.

Curiosidades reveladas

Há fatos pouco conhecidos, como a proclamação da República em Pernambuco, em 1817, em relatos escritos de diplomatas em Washington, nos EUA.

Ou sobre conflitos com a Inglaterra, em um processo que ajudou na abolição da escravatura (os documentos, de 1812 a 1869 e únicos no mundo, reúnem detalhes da apreensão de navios negreiros).

Há fotos da equipe médica enviada a Paris na Primeira Guerra Mundial, onde o Brasil montou um hospital-modelo, depois doado aos franceses.

E ganham destaque José Maria da Silva Paranhos Junior, o Barão do Rio Branco, brilhante diplomata em atuações no início do século XX; Rui Barbosa, na Conferência de Haia; e Bertha Luz, que incluiu na Carta da ONU de 1945 o princípio de “igualdade entre homens e mulheres”.

E, claro, como em qualquer edificação antiga, por ali também circulam relatos sobre fantasmas — mas aí são outras histórias.