30 dias no poder global

Crédito: Eraldo Peres/AP Photo

Carlos José Marques: "O momento não poderia ser mais oportuno e até mesmo de relevância ímpar para consagrar os anseios do time de Lula" (Crédito: Eraldo Peres/AP Photo)

Por Carlos José Marques

Existe um objetivo que vem sendo muito bem traçado pelo governo para o Brasil e esse é o de uma maior projeção lá fora, consolidando o País como player de destaque no concerto das nações. Coroando tal intuito, assumir a Presidência do Conselho de Segurança da ONU, mesmo que por poucos dias (mandato que vai até o final do mês, como estabelece a regra), representa uma missão que chega em boa hora. O momento não poderia ser mais oportuno e até mesmo de relevância ímpar para consagrar os anseios do time de Lula. O mundo, todos sabem, passa por um dos mais delicados conflitos de que se tem notícia nas últimas décadas. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia provoca inquietações que ultrapassam os limites físicos dos dois envolvidos e dissemina consequências generalizadas e de peso. O Brasil, desde que o petista assumiu, se habilitou e procurou ter um papel de influência na querela — seja através de posicionamentos (nem sempre adequados) ou por meio de uma intermediação que pode, no caso, resultar em algum êxito. Tanto os conterrâneos do ditador Putin como os do aguerrido Zelensky gostam e, de certa forma, procuram apelar a essa interferência brasileira — e até a estimulam. Ela é bem-vinda por oferecer uma via alternativa, de comunhão de interesses, ainda não tentada. Recentemente, Lula esteve com o ucraniano e, em outras inúmeras ocasiões, com o autocrata russo. Por incrível que pareça, o demiurgo de Garanhuns dá sinais de arrebanhar bons entendimentos com ambos e, assim, acabou por catapultar a sua tarefa diplomática a uma condição estratégica, quase vital — visto que nem os EUA ou a China, líderes incontestes do planeta, vêm sendo bem-sucedidos na intenção de cessar os combates. Com esse pano de fundo e inúmeros outros desafios geopolíticos a construir uma circunstância bastante agitada, o Brasil almeja fazer a diferença no retorno ao comando do Conselho. É a décima segunda vez que ocupa a posição, mas em nenhuma outra ela foi tão significativa. Não é de hoje, o País pleiteia, sem êxito, um assento permanente no que é considerado o mais importante organismo das Nações Unidas. As chances agora cresceram muito, com o aval declarado dos EUA e da própria China, simpáticos à tese de Lula de que a ONU e os demais braços da Instituição devem ser remodelados por completo. O Brasil quer marcar posições, algumas de caráter polêmico, que colocam de ponta-cabeça dogmas internacionais. Por exemplo: está decidido a pautar e rever impressões globais sobre a igualdade de gênero. Para Lula, e parte considerável dos membros, o Conselho vem perdendo progressivamente expressão e credibilidade por manter vigorando ideias conservadoras e potencialmente conflitantes com a realidade. Em casos extremos, aponta o petista, são elas que dão margem a graves hostilidades e, em muitas situações, aos confrontos. No colegiado do Conselho, harmonizar propostas de paz constituiu uma tarefa insana, invariavelmente. O Brasil, inclusive, tenta driblar situações para ele espinhosas como a da participação nas missões de paz do Haiti. Os integrantes desse verdadeiro clube criado no pós-guerra realimentam antigas e novas diferenças, muitas intransponíveis. Conciliar os pontos de vista quase nunca é fácil e o que interessa mesmo a quem dirige (provisoriamente) as sessões são os holofotes globais trazidos por contingência do cargo. Por uma infeliz coincidência, Lula teve de se submeter, justamente nesse período, a uma cirurgia que o deixou privado de maiores locomoções internacionais, algo que vinha fazendo com muito gosto e que teria outra dimensão com o cartão de visita de presidente do Conselho da ONU. Nem por isso, ele imagina perder a oportunidade de tirar o maior proveito possível do espaço na Organização, orientando os representantes no caminho de projetos que pretende validar. A reforma do Conselho entrou na ordem do dia. Washington ainda não apresentou nada mais específico além da declaração de Biden em sintonia com as ambições de Lula. Mas é esperado que o faça. A ONU precisa, decerto, reconhecer – inclusive por meio da revisão das atribuições de seus membros – o mapa difuso de poder global que hoje delimita o planeta. Não há como desconsiderar alianças, influências e projeção que nações do porte do Brasil angariaram ao longo dos anos.