Brasil

O dilema ambiental de Lula

A vitória parcial de Marina Silva na disputa contra a Petrobras pela exploração de petróleo no rio Amazonas reforçou a disposição do Congresso de esvaziar o Ministério do Meio Ambiente, em operação que teve o aval de Lula

Crédito: Wilton Junior

Rodrigo Agostinho, do Ibama, e Marina Silva, titular do Meio Ambiente: na mesma direção (Crédito: Wilton Junior)

Por Gabriela Rölke

Uma das principais apostas de Lula para recolocar o Brasil num papel de destaque no cenário internacional, o compromisso com a questão ambiental vem sendo posto em xeque inclusive dentro do próprio governo do petista e em sua base aliada no Congresso. O desgaste do Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva, começou com a disputa com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, pelas pesquisas para exploração de petróleo na Foz do Rio Amazonas.

Pelo menos por ora, Marina saiu vitoriosa na disputa contra a Petrobras, que teve o pedido de licença negado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A estatal, no entanto, não desistiu da ideia e adiantou que vai recorrer para que o pedido de autorização seja reconsiderado. O próprio presidente Lula tem manifestado apoio à iniciativa da Petrobras.

Mas ao mesmo tempo em que demonstrou força com o veto do Ibama ao projeto da Petrobras, a pasta do Meio Ambiente corre o risco de ver seu poder esvaziado a partir de uma articulação, no Congresso, que deverá resultar no enfraquecimento da sua estrutura.

A manobra posta em prática pelo Centrão, com apoio de parlamentares do MDB e do União Brasil, partidos com assento na Esplanada dos Ministérios, deseja enfraquecer Marina, e os parlamentares contam com o aval dos ministros de Lula, especialmente Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

DEFINIÇÃO Queda de braço com petroleira foi arbritada por Rui Costa (ao alto), da Casa Civil (Foto: Wagner Lopes) (Crédito:Wagner Lopes)

Relator da Medida Provisória (MP) na Câmara que trata da reestruturação ministerial, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL) propõe retirar da pasta de Marina a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR), registro público obrigatório de imóveis rurais, cujos dados são utilizados para monitoramento e planejamento de ações de fiscalização na área ambiental. O texto da MP, com mudanças importantes no desenho dos ministérios em relação à gestão Bolsonaro, foi enviado em janeiro pelo governo Lula ao Congresso e perderá a validade a partir de 1º de junho se não for votado. O governo não contava, entretanto, com a disposição demonstrada por Isnaldo Bulhões para desvirtuar a proposta original. O emedebista também propõe retirar do Ministério dos Povos Indígenas a competência para reconhecer e demarcar terras indígenas. Seu relatório com as alterações foi aprovado por 15 votos a 3, no que pode ser considerada uma derrota para o Palácio do Planalto – que agora trabalha para reverter o resultado no plenário da Câmara e do Senado. “Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente é um desserviço à sociedade brasileira, ao Estado brasileiro”, reagiu Marina em ser perfil no Twitter. Segundo ela, as mudanças podem criar “gravíssimos prejuízos” aos interesses econômicos, sociais e ambientais do País. Na noite de quarta-feira, 24, Marina sofreu outro revés em votação na Câmara de uma MP em que os deputados afrouxaram as regras de proteção à Mata Atlântica.

Quanto à queda de braço com a Petrobras, embora a ministra tenha comemorado o veto do Ibama ao projeto da estatal de explorar petróleo na Foz do Amazonas, o assunto certamente vai voltar a ser discutido, e uma nova derrota da ministra não está descartada. Isso porque a região é apontada como uma espécie de “novo pré-sal”, com capacidade para produzir 7,5 bilhões de barris, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). “É uma chance de ouro que se perde”, lamentou Jean Paul Prates, presidente da empresa. A exploração é defendida por políticos da região amazônica, como o senador Randolfe Rodrigues (AP), líder do governo no Congresso, que, em rota de colisão com Marina, deixou a Rede Sustentabilidade, até então partido dos dois. O senador Davi Alcolumbre (AP), também aliado do governo, é outro que está furioso com o veto ambiental à Petrobras e está empenhado em desidratar o Ministério do Meio Ambiente. O próprio presidente Lula havia se mostrado favorável à prospecção de óleo e gás na região. Durante o encerramento do G7 em Hiroshima, no Japão, o petista havia afirmado que “quem mora na Amazônia tem direito a ter os bens materiais que todo mundo tem”. Nos bastidores da Câmara circulam comentários de que setores do governo querem “fritar” Marina.

Uma briga antiga

POLÊMICA Usina de Belo Monte, defendida pelo PT, irritou ambientalistas (Evaristo Sa) (Crédito:Evaristo Sa)

O nome de Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente foi estrategicamente pensado por Lula para o que o Brasil reconquistasse o protagonismo mundial na área ambiental depois de o País ter sido relegado à condição de pária no governo Bolsonaro.

Respeitada internacionalmente, Marina estava nessa mesma posição de fiadora do governo nos primeiros mandatos do petista, até que em 2008 renunciou após sentir seu projeto preservacionista ser rifado pela ala desenvolvimentista e discordar dos projetos de construção das usinas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia.

Sua rival era Dilma Rousseff, que foi apresentada por Lula como “mãe do PAC” e levou adiante mais tarde outro projeto polêmico condenado por Marina, a Usina de Belo Monte, no Pará. Ao deixar o segundo governo Lula, Marina também rompeu com o PT, ao qual era filiada desde 1985.

Inaugurada por Dilma em 2016, às vésperas do impeachment, Belo Monte foi considerada a maior realização do governo da petista. Agora, de volta ao Ministério do Meio Ambiente, Marina vai ter que lidar com o pedido de renovação da licença de operação de Belo Monte, vencido há mais de um ano.

Mas como a hidrelétrica está em funcionamento, a tendência é que suas atividades sejam mantidas. No atual governo, Marina revive embates antigos. O seu grande dilema na atual gestão deve se dar em relação ao projeto da Petrobras de explorar petróleo na Foz do Rio Amazonas.