Comportamento

Gringos que transformam paixão em profissão

Surpreendidos por brasileiros em vídeos voltados a conterrâneos, estrangeiros acabam mudando de profissão para viver como youtubers de sucesso

Crédito:  João Castellano

O francês Paul Cabannes tem seu canal no Youtube mas faz shows de stand up comedy por todo o Brasil (Crédito: João Castellano)

Por Denise Mirás

Entre a Copa do Mundo de 2014 e o tempo de isolamento social pela pandemia entre 2020 e 2022, uma onda de gringos postando experiências inusitadas em cidades brasileiras se espalhou por redes sociais. Surpresos com a variedade e o sabor de comidas regionais, de paisagens em serras e praias e também encantados com os diferentes ritmos musicais que encontraram pelo País, os donos desses canais se depararam com uma verdadeira invasão de brasileiros em suas postagens. Que, orgulhosos com o deslumbramento dos estrangeiros, se mostraram prontos a oferecer dicas e sugestões de temas, e mesmo mimos inesperados a quem estava chegando.

Em poucos meses, esses youtubers já reuniam milhares de seguidores e aproveitaram a oportunidade para viver profissionalmente das plataformas, estendendo-se do Youtube a Instagram, Facebook e TikTok, e ainda investindo em outras possibilidades: de cursos de línguas mais descontraídos até shows de stand up comedy por todo o país.

Tim Cunningham, americano, chegou ao Rio em 2017 e foi ficando, para conhecer mais do país (Crédito:Divulgação)

O americano Gavin Roy foi dos primeiros a alcançar um sucesso estrondoso. Começou a estudar português e viu na compra de ingressos para a Copa do Mundo uma motivação, porque seria o intérprete para o grupo de amigos que viria ver os jogos em 2014.

Em 2015, desistiu de trabalhar com meteorologia e apostou no Youtube para dar dicas práticas — e gratuitas — de inglês para brasileiros. Demonstrando paixão pela língua portuguesa, literatura e música, ganhou a recíproca. Expandiu cursos e hoje, aos 35 anos, tem mais de 2,5 milhões de inscritos em seu canal Small Advantages.

Tim Cunningham, americano da mesma idade e história semelhante, chegou para o Carnaval de 2017 já se sentindo em casa. Aprimorando português com músicas e pelas ruas, em padarias e bares, também passou a postar dicas do inglês “falado”, com gírias, para os brasileiros.

O canal Tim Explica, que começou de brincadeira, “virou bola de neve” e agora reúne 1,62 milhão de seguidores. “Captar a essência do gringo mostrando seu amor pelo país se mostrou um nicho. Era o diferente, o que dava a graça”, destaca.

Agora em um período nos EUA e ainda “fazendo tudo praticamente sozinho”, observa que o mercado está mais profissional a cada ano e é preciso ter mais habilidades além de postar conteúdo — como administrar o trabalho — para se chegar a um grande negócio. “Essa é a chave que vira o jogo. Eu estou tentando.”

Olga Kovalenko se tornou youtuber com apoio, dicas e carinho dos seguidores daqui (Crédito:Divulgação)

A russa Olga Kovalenko abriu um canal no Youtube quando chegou a São Paulo para trabalhar, em 2018. Pensava em mostrar seu cotidiano para os conterrâneos, mas foi surpreendida por uma verdadeira invasão de seguidores brasileiros pedindo tradução, legendas em seus vídeos.

“Mandavam mensagens, dicas, e fui descobrindo lugares, músicas. Em pouco tempo tinha dez vezes mais seguidores daqui do que da Rússia. Não tinha tempo para fazer vídeos em russo e em português e tive de optar”, explica a criadora do canal Olga do Brasil, hoje com perto de 840 mil seguidores.

Depois de um ano, com tanta audiência mesmo sem ter planejado nada, ela decidiu deixar o emprego formal por “um caminho mais curto e divertido”. Teve o apoio dos amigos virtuais, de quem se diz muito próxima, e se tornou uma profissional da internet.

“Quis mudar para a praia e estou bem aqui em Florianópolis. Meu espírito é de descobridora, não tenho interesse de voltar para lugares onde já estive. Quero conhecer coisas novas.”

O francês Paul Cabannes, 33 anos, chegou já casado em 2015 e pensando em dar aulas, também pelo canal que criou em 2017. “Peguei o jeito brasileiro de ser mais informal, bem-humorado. E percebi que meu conteúdo também podia ser humorístico. Aqui existe essa curiosidade sobre quem vem de fora, e não só dos EUA ou da Europa — veja o caso do Baptista, de Angola” (box abaixo.), diz.

Com o sucesso das postagens, Paul se mudou de Maringá para São Paulo em 2020. “Queria me aventurar no palco e ‘pegou’ muito mais do que eu podia imaginar”, afirma o youtuber, hoje com 1,1 milhão de inscritos no canal Paul Cabannes. “O stand up é estimulante, tem adrenalina, e agora é minha principal fonte de renda. Abri também a escola Voilà e penso em escrever um livro, em expandir horizontes.”

Talento e sorte

O angolano Baptista Miranda chegou a São Paulo em abril de 2022, aos 20 anos, a convite de Igor 3K, que o conheceu já como youtuber falando de brasilidades. Em meio à profissionalização do mercado, acabou abraçado pela agência Golden Pill.

Em pouco mais de um ano, até herdou o programa Salve, Salve Família, de seu “descobridor”, nos Studios Flow, e alcançou números assombrosos: 2,4 milhões de seguidores no Instagram e 2,2 no TikTok, suas principais plataformas.

Ele, que conhecia o Brasil de novelas e músicas, se impressionou quando viu o tanto de brasileiros que passaram a seguir seus vídeos. “Pensei: vou trabalhar com isso. Queria ser o filho diferente da família.” Hoje, diz que vai viver aqui, mas sem deixar Angola de lado. “É um mercado de internet que está surgindo e quero fazer parte desse início.”

Baptista Miranda veio de Angola e já foi abraçado pelo mercado profissional (Crédito:Waldir Evora)