Internacional

EUA: Biden corre atrás do voto operário

Em gesto inédito para um presidente do país, Joe Biden vai a piquete e defende reivindicação de grevistas da indústria automobilística

Crédito: Jim Watson

O presidente Joe Biden foi o primeiro dos americanos a levar apoio pessoal a grevistas em porta de fábrica (Crédito: Jim Watson)

Por Denise Mirás

Resumo

• Num gesto inédito para um presidente do país, Joe Biden se une a grevistas
• Em busca de reeleição, presidente está de olho no eleitorado que os democratas perderam para a extrema-direita
Cenário também é simbólico: a indústria automobilística tenta renascer em Detroit, agora voltada ao carro elétrico

Joe Biden entrou para a história como primeiro presidente dos EUA a se colocar ao lado de operários em um piquete por melhores salários diante de uma fábrica. Foi em Detroit, na terça-feira, 26, 12º dia da greve convocada pela United Auto Workers (UAW), que paralisou as chamadas Big Three da indústria automotiva: Ford, General Motors e Stellantis (grupo que reúne Fiat e Chrysler, entre outras marcas).

Para um político de toda a vida, os gestos de usar boné de sindicato, falar com piqueteiros e propagar apoio a eles por megafone mostram o quanto está disposto a brigar por sua reeleição.

Perto de completar 81 anos (em 20 de novembro) e a quase um ano das eleições presidenciais nos EUA (em 5 de novembro de 2024), o candidato do Partido Democrata, chamado de “Dorminhoco” pelos republicanos, não titubeou em deixar o gabinete e correr para conversar pessoalmente com o “chão de fábrica”, esvaziando a visita à cidade que o rival republicano Donald Trump planejou para um dia depois.

A fabricação de carros elétricos, como da Ford, avança na Detroit reformatada (Crédito:Divulgação)

A aparição de Biden se deu diante de uma distribuidora de peças da General Motors num subúrbio de Detroit, cidade que virou símbolo de ruína social mas foi modernizada e renasceu como símbolo de fábricas e montadoras de automóveis — um dos ícones americanos.

A elite operário-burguesa da região, a princípio avessa ao discurso republicano pró-empresariado e contra leis trabalhistas, havia pendido para Donald Trump nas eleições de 2016 (contra Hillary Clinton).

À época, parte dos sindicalizados votou no republicano contra a reeleição de Barak Obama, mas voltou a optar pelo Partido Democrata com Joe Biden, em novembro de 2020. Agora, oscila novamente com o discurso de Trump, que alerta sobre o “perigo verde” que “ameaça operários de desemprego”, pela condenação global aos “carros poluidores”.

O UAW defende a transição para carros elétricos (os fabricantes contam com créditos fiscais do governo Biden e estão investindo milhões para acelerar a produção desses veículos) ao assinalar que “todo trabalho automotivo é um bom trabalho”.

Mas exige a manutenção de salários e benefícios, assim como a sindicalização de trabalhadores contratados em paralelo pela “economia verde”.

Donald Trump, ex-presidente dos EUA e candidato à reeleição (Crédito:Mandel Ngan)

“O embuste do carro elétrico não foi ideia do Biden, que não junta duas frases, mas de fascistas, marxistas e comunistas que estão destruindo o nosso país.”
Donald Trump, ex-presidente dos EUA e candidato à reeleição

Michigan (além de Wisconsin e Pensilvânia) é considerado um estado crítico nas eleições presidenciais. Na última, pendeu decisivamente para Biden, que se antecipou ao rival republicano, na terça-feira.

Trump, para tirar dividendos eleitorais da greve, tinha programado discursar a não sindicalizados no dia seguinte, na Drake Enterprises, fornecedora de peças para carros e caminhões em Clinton Township, a meia hora do centro de Detroit.

“Joe Biden não tem escolha a não ser mostrar que ouve trabalhadores”, diz Lucas Leite, professor de Relações Internacionais da FAAP e pesquisador do INCT, de estudos sobre os EUA.

“Pensando na campanha eleitoral, é do interesse dele, claro, não perder esses eleitores sindicalizados. São a classe média da indústria que optou por Trump em 2016, mas agora se volta novamente para os democratas depois de perceber que o republicano é muito mais discurso do que realidade — e ainda defende a lógica do empresariado.”

Manobras eleitorais explicam em boa medida por que as propostas sociais de Joe Biden são barradas no Congresso — basicamente na Câmara, que tem maioria republicana (ao contrário do Senado).

Ainda assim, no fim de 2022 o presidente passou o montante de US$ 1,2 trilhão para obras de infraestrutura em todo o país. Conseguiu o aumento de impostos para quem recebe mais de U$S 400 mil/ano e ampliou o ObamaCare.

Também fortaleceu a boa formação educacional de crianças, expandindo creches para que pais pudessem trabalhar mais e tirar a família da pobreza.

A veia “operária” de Biden foi ressaltada na Assembleia Geral da ONU, quando deixou claro o apoio a salários mais altos, com empregos de mais qualidade, ao assinar acordo com o presidente Lula em defesa da Meta 8 (“Trabalho decente e crescimento econômico”) do pacto “Objetivos do Crescimento Sustentável” determinando pelas Nações Unidas para serem implantados até 2030.

Pressão sobre Congresso

Biden pode aproveitar a bem-sucedida aparição em Detroit para forçar o Congresso a aprovar o orçamento neste início de ano fiscal, agora em outubro.

Assim, evitaria o shutdown (paralisação total do governo, já com funcionários em licença a partir da próxima semana), que a extrema-direita quer impor, para prejudicar a campanha de reeleição do democrata. “Os radicais do Partido Republicano tentam esticar a corda, mas também podem ser vistos como responsáveis por fechamento de serviços públicos, o que seria um tiro no pé”, diz Leite.

Tiro que acabaria ricocheteando no próprio Trump, já sob processos judiciais, mas que segue em sua campanha furiosa para a Presidência dos EUA.