Economia

Como a crise chinesa vai afetar o Brasil

O PIB da China deve sofrer uma retração e prejudicar a economia brasileira, que tem nos asiáticos seu principal mercado para minério de ferro e commodities agrícolas

Crédito:  Leo Pinheiro

Até agora, a retração no setor imobiliário chinês não fez o preço do minério de ferro cair no mercado internacional (Crédito: Leo Pinheiro)

Por Regina Pitoscia

Principal parceira comercial do Brasil desde 2009, não há como evitar que a desaceleração econômica da China respingue aqui em setores e empresas que dependem de negócios com a segunda maior economia do mundo, especialmente nos segmentos de minério de ferro e commodities agrícolas, cujas vendas devem sofrer retração. Em 2022, as exportações brasileiras ao país oriental somaram US$ 91,26 bilhões, ou 27% do total negociado com o exterior. Especialistas acreditam, no entanto, que as consequências não devem ser desastrosas, especialmente porque, ainda que mais modesto, o crescimento chinês ocorrerá sobre uma base gigantesca, de atuais US$ 17 trilhões. Mas concordam que o Brasil necessita explorar novas frentes comerciais, e apostar fichas no acordo do Mercosul com a União Europeia para ter outros mercados alternativos.

Um dos maiores problemas econômicos da China tem o epicentro no setor imobiliário. “Várias das grandes empresas imobiliárias da China estão falidas ou muito próximas da falência, porque a China vem investindo nas últimas décadas a uma taxa de mais de 40% do PIB, enquanto no Brasil temos uma média de 17%”, relata o professor de economia internacional, Carlos Braga, da Fundação Dom Cabral.

Este ano, o investimento imobiliário caiu 8,8% até agosto, e o setor também sofre com altos índices de desocupação, refletindo o desemprego, que entre os jovens chega a 21%.

Os chineses pisaram no freio em relação aos imóveis, e hoje há um redirecionamento dos recursos para o consumo e serviços. Decisão que deve reduzir as exportações brasileiras de minério de ferro, que em 2022 responderam por US$ 18,2 bilhões do comércio com a China.

Ao mesmo tempo, outras commodities como soja e carne, tendem a ser beneficiadas. “A ordem de preocupação com as relações comerciais é menor”, afirma a consultora econômica, Zeina Latif, da Gibraltar Consulting Economia. “O minério de ferro é atingido pela construção civil, aliás isso daí já foi colocado na dinâmica do setor, mas não o agro, principalmente a soja, porque ele se beneficia da própria política chinesa, de rebalanceamento do modelo a favor do crescimento do consumo”.

A política chinesa de estímulo ao consumo deve beneficiar as exportações do agronegócio, especialmente de soja (Crédito:Divulgação)

A consultora explica que os efeitos tendem a ser mais expressivos e já aparecem em relação aos investimentos diretos na economia brasileira. Em 2022, houve uma queda de 78% na entrada de recursos chineses no País, em total de US$ 1,3 bilhão de dólares, o menor desde 2010.

Para ela, a desaceleração na China acontece também por razões que estão fora do controle do governo local, e sim ligadas a questões ambientais, o país é responsável por 30% de emissões de gases efeito estufa, a decisões de impedir crescimento demasiado de algumas empresas em meio a uma ideologia socialista, e a questões demográficas, país que envelhece em paralelo a restrições à natalidade.

“Em alguma medida, os chineses vão estar mais focados em resolver essas questões internas, com redução de investimento em países ou negócios que eles não vêem como prioritários. A gente já tem visto uma diminuição da participação da China no investimento direto aqui”.

Crescimento de 2% ou 3% ao ano

Desde que se abriu para o mundo há mais de 40 anos, a China impressionou por períodos seguidos de crescimento pujante, acima de 7% ao ano, mas também teve de superar crises financeiras internacionais, que abalaram seu ritmo de expansão.

Todas elas contornadas com iniciativas e estímulos do governo, o que deve se repetir, desta vez, mas com um direcionamento mais seletivo dos investimentos.

“Não existe um estímulo muito grande para o crescimento da economia, a China não quer crescer a qualquer preço. É o momento de arrumar a casa”
Rodrigo Zeidan, da Fundação Dom Cabral, que vive hoje em Shangai

Zeidan explica que o país atravessa o seu primeiro grande retrocesso na economia dos últimos 30 anos, “mas isso não significa que o país não vai crescer, vai crescer menos, 2 ou 3% ao ano, porque o processo de industrialização ainda não terminou, mas haverá redução nas exportações brasileiras”.

A economia chinesa amarga ainda rescaldos da pandemia, e sofre hoje com a alta dos juros no mundo todo e tensões geopolíticas.

Na briga entre as duas maiores potências do planeta, os Estados Unidos adotaram medidas protecionistas e criaram mais restrições às exportações chinesas, que correspondiam a 20% das importações americanas recuaram para 15%, o que também atinge seus resultados comerciais.

Braga lembra que a despeito do que acontece na China, os preços das commodities ainda não espelham a queda em sua economia: o minério de ferro é cotado a US$ 120 a tonelada, melhor do que no ano passado e equivalente ao que prevalecia antes do início da crise chinesa. Na opinião dele, o país não deve colapsar, a menos que haja uma guerra ou agravamento nas tensões com Taiwan.

Ao contrário, a previsão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), segundo o professor, é que o PIB chinês tenha um crescimento de 5,1%.

Ele destaca que a China está se tornando a maior exportadora de automóveis do mundo, particularmente de carros elétricos (EVs), e continua a ter a capacidade de poupança em níveis “elevadíssimos”.

“Para o Brasil seria muito importante a gente conseguir finalizar as negociações do acordo de livre comércio com a União Europeia porque, embora o acordo não seja nenhuma maravilha, certamente vai aumentar o acesso a mercado para o agronegócio brasileiro”, afirma Carlos Braga.