Das filas de ossos ao filé barato

Crédito:  Evandro Leal

Carlos José Marques: "Não há como mimetizar tanta falta de sensibilidade (e de asco mesmo) demonstrada pelo chamado 'mito' para com os mais pobres" (Crédito: Evandro Leal)

Por Carlos José Marques

Há uma considerável mudança de paradigma na realidade brasileira e simbólicos eventos no plano social dão conta de como ela vem ocorrendo. Bastou a troca de gestão no Planalto para tanto, e a virada de cultura, objetivos e prioridades parece saltar aos olhos. Das cenas dramáticas, deprimentes e abomináveis de pessoas correndo atrás de caminhões de lixo para catar ossos até a queda considerável dos preços do filé, da picanha e demais cortes, impulsionando o consumo de carne no País, o retrato do contraste entre o que entregou o governo Bolsonaro de desprezo pelas populações de baixa renda e o que vem promovendo o sucessor Lula, de resgate nesse sentido, esbofeteia até mesmo os mais descrentes e arredios opositores atuais, simpatizantes ideológicos do período do mandatário anterior de claros pendores fascistas. Não há como mimetizar tanta falta de sensibilidade (e de asco mesmo) demonstrada pelo chamado “mito” para com os mais pobres — situação, aliás, que levou muitos dos seus correligionários, aliados e seguidores a fazerem troça, debochando daqueles que nada tinham a oferecer e eram tratados como carga inútil a ser carregada por quem produz. Em janeiro passado, o governo Lula assumiu o comando, pela terceira vez, deliberando, de imediato, a turbinada do Bolsa Família, da renda do trabalhador, do salário mínimo com aumento real (o que não ocorria há anos) e de outros instrumentos de capitalização desse público. Na ponta contrária, partiu para o ataque a fatores de pressão inflacionária. Os resultados foram acontecendo. Notórios, consistentes, inegáveis. O BC teve, por sua vez, de rever postura e acomodar a escalada animalesca dos juros. Muitos vão atribuir ao fator sorte ou a conjunturas favoráveis alguns dos visíveis sinais estampados da guinada em curso. Faz parte. No caso das carnes, por exemplo, a queda de preços teria sofrido, sim, influência externa. Mas não só. Existe um trabalho sistemático e bem-sucedido de liberação de crédito para financiar a pecuária que vem ajudando. Ocorrem acenos aos criadores – e é missão de governo atento às carências – para reorientar parte da oferta ao mercado interno. Em suma: acontece planejamento, trabalho e orientação. Foco no que deve ser resolvido. Lula prometeu e convenceu durante campanha eleitoral de que o direito ao churrasco dos finais de semana regado a picanha deveria ser de todos. De uma maneira ou de outra, vem cumprindo. Fato! O quilo de inúmeros cortes bovinos – o do filé, em especial – teve a maior queda em anos. Uma pesquisa da Horus, empresa de inteligência de consumo, que faz captação de dados via notas fiscais, revelou um pico da presença de 1,9 item com carne em carrinhos de compra dos supermercados. O número era de 1,4 item do tipo no início do ano, e a variação denota que os fatores redução de custo e melhora do poder de renda pesam na conta final. O valor do boi gordo, segundo o Centro de Estudos em Economia Aplicada (Cepea), caiu de R$ 290 a arroba para menos de R$ 260 em abril, com viés de novas baixas. Considerável a redução. No frango em pedaços o abatimento foi de 9,4%, apenas no mês de julho. Lá atrás, ainda em primeiro mandato, Lula havia hasteado a bandeira do frango e do iogurte na mesa dos brasileiros como conquistas civilizatórias. Desta feita, elegeu a picanha. Em ambos os casos, cumpriu com a entrega dos objetivos. Alimentos baratos para os brasileiros são, decerto, um importante passo rumo ao combate à desigualdade social que, embora histórica e estrutural, explodiu nos últimos tempos pós-Covid. Desmistificando as entranhas da inflação, recuperando a dignidade de consumo da maioria e cobrindo parte do fosso que separa a parcela rica da dos necessitados na pirâmide social, Lula vem oferecendo uma fórmula de crescimento econômico exitosa. Os números não deixam margem à dúvida. O PIB de 2023 já sofreu revisões positivas seguidas e agora ultrapassa o patamar de 3,2%. Para quem estava acostumado a um ritmo medíocre, na casa de 1%, há quase uma década, tem de dar a mão à palmatória e reconhecer a percepção concreta de progresso. Faz um bem enorme para o moral nacional viver a realidade do filé democratizado do que o contexto das deploráveis filas de ossos.