Comportamento

Cadê meu advogado? Indústria cultural é processada por uso indevido de imagem no passado

Crédito: Túlio Santos

José Rimes e Antônio Carlos recriaram a foto da capa do disco no mesmo local, mais de 40 anos depois (Crédito: Túlio Santos)

Por Luiz Cesar Pimentel

Se você é morador ou visitou a área rural de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, pode ter passado por um jardim cuidado por Antônio Carlos Rosa de Oliveira ou em mercado onde José Antônio Rimes trabalha e nem saber que estava diante do serviço de dois ícones da cultura brasileira. Pois ambos estampam uma das mais clássicas capas de disco da história da música nacional, o álbum e combo Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges com diversos colaboradores, de 1972. O ponto é que, durante 40 anos, os dois meninos da foto não sabiam da fama involuntária. Até que souberam e decidiram processar artistas e gravadoras por danos morais e uso indevido de imagem.

(Divulgação)

A situação é inusitada, mas não é nova. Por motivos diversos, ocorre tanto no cinema quanto na música. Em comum há o fato de o processo acontecer quando a obra alcança grande repercussão e, na maioria das vezes, é conduzida por crianças ou adolescentes à ocasião da realização e que, adultos, resolvem pelo caminho judicial.

Em paralelo ao caso fonográfico, uma das obras-primas do cinema, Romeu e Julieta, dirigida pelo italiano Franco Zeffirelli, está sendo processada pelos protagonistas da película de 1968, Olivia Hussey (Julieta) e Leonard Whiting (Romeu), 55 anos após o lançamento, por abuso infantil relacionado a cena de nudez no longa – ambos tinham 17 anos quando ocorreu a filmagem, e querem ressarcimento dos estúdios Paramount.

No caso dos mineiros, que foram batizados como duo em referência aos encontros musicais que faziam no cruzamento das ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Tereza, Belo Horizonte, o clique da discórdia aconteceu a 450 km de distância do nascedouro do disco.

Um dos parceiros da dupla, Ronaldo Bastos, tinha sítio em Nova Friburgo e estava passeando em um fusca com o fotógrafo pernambucano Cafi, quando viu os dois garotos. O passageiro desceu com a câmera e fez o retrato clássico das duas crianças, que tinham pais empregados em sítios da região.

Eles dizem só terem sabido da imagem de capa quando foram procurados por jornalistas que, com a proximidade dos 40 anos da obra, em 2012, buscaram a dupla para recriação da imagem.

Entraram com ação pedindo R$ 500 mil de reparação, e a defesa dos artistas e gravadoras responsáveis pelo lançamento e relançamento da obra alega prescrição do prazo de indenização. O caso corre na Justiça.

Já septuagenários, Leonard Whiting e Olivia Hussey reclamam “abuso infantil” (Crédito:Tommaso Boddi)
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Alegação de prejuízo moral e à imagem décadas depois é relativamente comum. A mais famosa está relacionada à foto de um dos discos mais vendidos na história, Nevermind, do Nirvana. que superou 30 milhões de cópias.

O retrato de Spencer Elden quando bebê, em mergulho e proximidade de nota de dólar presa em anzol, foi adquirido pela gravadora da banda por U$ 200. Aos 25 anos de Elden e do disco, o protagonista recriou a imagem, só que na nova versão trajando uma bermuda.

E aos 30, resolveu abrir um processo pedindo mil vezes o valor negociado pelo uso da imagem original alegando “pornografia infantil”. O autor, no entanto, não alegou prejuízo de imagem, já que carrega orgulhosamente no peito o título do disco em forma de tatuagem. E o caso foi encerrado sem prejuízo à banda no ano passado.

Bebê da histórica capa roqueira posou comemorando 25 anos do disco, porém, aos 30, alegou prejuízo moral e à imagem (Crédito:Divulgação)
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Já o polêmico cantor e compositor britânico Van Morrison não quis nem saber: gostou de uma foto do lutador canadense aposentado Billy Two Rivers e a colocou na capa de seu mais recente álbum, Roll With the Punches, de 2017. O indígena reprovou a imagem não autorizada da época em que lutava para ganhar a vida, nos anos 1950 e 60, e moveu processo. Mas logo chegaram a um acordo e esta arte que recriou a vida teve final (relativamente) feliz.

Índigena Billy Two Rivers não gostou de ter aparecido no disco e foi à Justiça (Crédito:Divulgação)
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