Comportamento

Caçada ao brasileiro assassino nos EUA parece filme de Hollywood

Condenado à prisão perpétua nos Estados Unidos, Danilo Cavalcante fugiu da penitenciária, mobilizou centenas de oficiais e toda a tecnologia de força tática em perseguição que durou 14 dias. No Brasil, criminoso já era considerado foragido desde 2017. Caso virou dor de cabeça para ambos os países

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Megaoperação: Swat encontrou brasileiro escondido em pilha de madeira (Crédito: Divulgação)

Por Luiz Cesar Pimentel e Elba Kriss

Norte-americanos adoram criar listas comparativas e já colocam o brasileiro Danilo Cavalcante na infame relação de fugitivos mais espantosos da história do país. Ele é relacionado, por exemplo, ao igualmente criminoso Clayton Lee Wagner, que em 2001 usou um pente para abrir cadeado, escalou os andares do centro de detenção onde estava encarcerado, fugiu em um caminhão e durante os meses foragido enviou estimadas 500 cartas com substâncias nocivas a clínicas de aborto. A caçada ao maranhense, de 34 anos, terminou na quarta-feira (13), 14 dias após a fuga de Chester County Prison, na Pensilvânia. A perseguição colocou mais de 500 policiais em seu encalço, suspendendo aulas em escolas e paralisou a vida de residentes ao ter como refúgio a mata densa nos arredores das casas. Ao final, ele foi rendido por um cão.

O governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, não disfarçou a satisfação ao narrar a captura. À imprensa local, chegou a prometer que devolveria a um morador o moletom do Philadelphia Eagles, furtado por Cavalcante durante a escapada.

A prisão foi comemorada, aliás, como título esportivo, com cerca de 25 oficiais posando para foto ao lado do criminoso. Questionado se achava apropriado o clique celebratório, o tenente-coronel George Bivens, da Polícia Estadual da Pensilvânia, respondeu: “Não estou nem um pouco incomodado.”

Uma sequência inacreditável de descuidos e lapsos na trajetória do maranhense expuseram tanto o sistema carcerário dos EUA quanto a Justiça brasileira. O bandido colocou em evidência a pequena Figueirópolis, no Tocantins, no mapa do noticiário global, pelos piores motivos possíveis.

Foi na cidade de pouco mais de cinco mil habitantes, distante 260 km da capital Palmas, que o homicida iniciou sua fuga. O primeiro assassinato de Cavalcante ocorreu nessa região em novembro de 2017, quando matou com cinco tiros Válter Junior, a quem cobrava dívida por ter danificado o carro que havia lhe emprestado. O crime aconteceu em frente a uma lanchonete, e apesar de testemunhado, a ordem de prisão não foi registrada no Banco Nacional de Mandados, o que permitiu a emigração para os EUA.

Jeyzel Credidio, advogado especializado em direito criminal, aponta que a derrapada do Judiciário é “convictamente um erro”. “No momento que foi proferida a decisão pela privação da liberdade do acusado, este já não se encontrava no Tocantins. Mas a morosidade da solução recai tanto sobre a prolação de sentenças por parte dos órgãos julgadores quanto no cumprimento pelas instituições policiais”, diz.

“O Brasil possui um sistema de segurança pública descentralizado, em que cada Estado tem sua própria estrutura de Polícia Civil e Militar, e a coordenação entre essas agências pode variar significativamente.”

No Estado da Pensilvânia, ele conheceu a também maranhense Débora Brandão, e mantiveram relacionamento. Em 2021, com o término do namoro e alegando temor de ser denunciado, matou a ex-companheira com 38 facadas na presença dos dois filhos dela, com 4 e 7 anos à ocasião.

Cavalcante foi capturado uma hora depois do assassinato. Até o dia 16 de agosto, aguardava julgamento, como um dos 3.150 brasileiros encarcerados nos EUA, quando recebeu sentença de prisão perpétua.

Cumpria pena, mas no último dia de agosto escalou “como um caranguejo”, segundo o chefe de polícia Bivens, as paredes da penitenciária e fugiu. Contou com outro descuido, desta vez do vigia, que acabou demitido.

Na rua, mostrou habilidade para se esconder por matas, túneis e valas de drenagem. A recompensa por ele atingiu US$ 25 mil. Teve a audácia de procurar um ex-colega de trabalho e câmeras de vigilância o gravaram de visual novo, sem barba.

Roubou uma van e se deslocou até acabar o combustível. Encontrou um rifle calibre 22 na garagem de um residente e ao furtá-lo trocou tiros com o dono da arma – nenhum dos sete disparos o atingiu.

Roteiro de Hollywood, com o desfecho de ter sido localizado por aeronave, que detecta calor de seres vivos em meio à vegetação, mordido e subjugado por cão farejador.

Novamente atrás das grades, Cavalcante agora é alvo de nova análise da Justiça norte-americana: talvez tenha pena adicional por causa da dor de cabeça que causou. “Ele também terá restrições no dia a dia”, avalia Daniel Toledo, advogado especializado em Direito Internacional.

O caso do brasileiro levantou ainda a dúvida se ele pode pedir transferência para cumprir pena no Brasil. A resposta é: não. “Existe nos Estados Unidos o International Prisoner Transfer Program [Programa Internacional de Transferência de Prisioneiros], mas só 11 países fazem parte desse acordo e o Brasil não é um deles”, encerra Toledo.