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Quando a arte encontra o entretenimento: a moda do imersivo

Tendência no setor cultural, apresentações tecnológicas com projeções e reproduções de Van Gogh, Leonardo da Vinci, Frida Kahlo e Banksy rodam o Brasil. Por um lado, possibilitam a experiência artística. Por outro, quem regula o padrão de qualidade que há nelas?

Crédito: João CastelLano

Van Gogh Live 8K: 2.800 m² para exibição das mais de 250 obras na garagem externa de shopping (Crédito: João CastelLano)

Por Elba Kriss

Vista por mais de um milhão de pessoas, a Van Gogh Live 8K está em São Paulo. Vendida como a maior exposição imersiva de um dos principais pintores da história, a apresentação passou por Rio de Janeiro, Goiânia, Fortaleza e Recife. O potencial tecnológico é o chamariz: são 40 projetores para exibições em ultra-alta definição. A estrutura exigiu 2.800 m2, por isso, acontece no estacionamento do Shopping Lar Center. Eventos do tipo entraram na agenda cultural com a proposta de colocar o espectador em experiência multissensorial que percorre vida e genialidade de referências da arte. Reproduções e réplicas se unem a sons, luzes, toques e interatividade.

No Rio de Janeiro, duas atrações similares também movimentam o setor: Frida Kahlo – Uma Biografia Imersiva, no Museu Histórico do Exército e Forte de Copacabana, e The Art of Banksy: Without Limits, no Village Mall. A mostra do street artist contabiliza 1,3 milhão de visitantes.

Atingir a massa com o tecnológico traz resultados. Apenas nesse ano, a capital paulista teve Monet À Beira d’Água, no Parque Villa Lobos, e Michelangelo: O Mestre da Capela Sistina, no MIS Experience. Este último deu ao público a oportunidade de ver os afrescos sem precisar ir ao Vaticano.

Instalações 360º popularizam o universo artístico. Por outro lado, há quem questione se é possível sentir a força de uma obra verdadeira. No caso de Vincent Van Gogh, o imersivo é uma vivência pelas texturas criadas pelo artista?

Responsável pelo evento, Rafael Reisman, da Blast Entertainment, defende que a experimentação é intensa.

“Estamos dando acesso, talvez, a quem nunca foi a museus ou teve a chance de viajar para ver arte.”
Rafael Reisman, da Blast Entertainment

Reisman explica: “As obras são animadas e ampliadas. Criamos a resolução em 8K justamente para que as cores vivas e a potência das pinceladas possam ser mais percebidas. A arte é vivenciada de outra forma, mas bastante moderna. Acho que Van Gogh gostaria de sentir o que o público sente.”

‘Os Mundos de Leonardo da Vinci’: Larissa Wanderley e Adriano Gonçalves aprovaram vivência tecnológica em São Paulo (Crédito:Divulgação)

Há quem opine que tudo se perde e vira um produto que atende o instagramável e só. “Talvez, essas exibições carregadas de tecnologia não sejam o justo gatilho cultural para que brasileiros conheçam grandes artistas sem sair do País. Esses eventos, corriqueiramente chamados de experience, fazem mais parte da indústria do entretenimento”, aponta Marcos Rizolli, professor-pesquisador no programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

A reportagem da ISTOÉ visitou a exposição Os Mundos de Leonardo da Vinci, no Morumbi Shopping. Como sugere a tendência, são oito salas interativas em 3 mil m2 no estacionamento.

A estrutura foi suficiente para as professoras Yvone Quintilio e Elisete Bezerra se “perderem” no conteúdo por duas horas. Para elas, o imersivo funciona: serve como entretenimento ao mesmo tempo em que dissemina conhecimento. “Exposições como essa mostram que o nosso País está dando verdadeiro valor à cultura”, diz Yvone.

Obviamente, o transportamento para o profundo mundo da arte depende de cada um. “Não sei se sou chata nesse ponto, mas 80% não têm preocupação com o valor cultural. Vale mais o ‘eu fui’”, continua ela. “É a questão das redes sociais: fazer selfie e postar. No Museu do Louvre, por exemplo, os turistas ficam de costas para a Monalisa”, comenta Elisete.

O fato é que a atração cumpre com o papel de expandir a arte.

“Vivemos na era da informação e da tecnologia, por isso, esse formato encanta e atrai. A arte pode ser apreciada de forma lúdica, dinâmica e divertida.”
Aline Ambrósio, curadora e pesquisadora

De fato, após uma tarde entre as facetas de Da Vinci, a advogada Larissa Wanderley e o servidor público Adriano Gonçalves se sentiram envolvidos pelas criações do gênio italiano. “Nos sentimos inseridos no ambiente e na época em que o artista viveu”, narra ela. “Somos de Boa Vista, Roraima, e seria um sonho para nossa cidade ter algo desse porte”, completa ele.

Assim como eles, o auxiliar de estoque Tiago Soares saiu do passeio cheio de planos: “Dá vontade de ir direto para a França para ver a Monalisa de verdade”.

No quesito acesso à cultura, o imersivo cumpre seu papel. É o que resume Sabrina Moura, professora da Casa do Saber e doutora em História da Arte. “Quando damos aula, usamos reproduções e não as obras em si. Essas imersões são espécie de mergulho no universo dessa representação. Isso substitui o contato com a criação real? Não. Mas porque estamos interessados em conhecer esses cânones? Tudo bem frequentar essas exposições. E pode ser num estacionamento de shopping. Se for bem-feito não há problema”, finaliza.