O ajudante das desordens e o pranto dos Bolsonaro

Crédito: Agência Basil; Divulgação

Carlos José Marques: "Mauro Cid, o confidente mais íntimo do clã do laranjal, rompeu a propalada fidelidade, abriu o bico para se safar tão logo ficou evidente que seria lançado aos leões como única e isolada presa" (Crédito: Agência Basil; Divulgação)

Por Carlos José Marques

Michelle Bolsonaro embrulhou-se na bandeira, caiu de joelhos em um choro descontrolado. Bolsonaro, da plateia, durante o culto, também não resistiu e mergulhou no pranto junto a ela, em um gesto de cumplicidade solidária e ao mesmo tempo, no seu íntimo, de preocupação. A cena, dias atrás, denunciava de maneira clara os sinais de desespero em que ambos estiveram e seguem submetidos nos últimos tempos. E por razões mais do que justificáveis, diga-se de passagem. O braço-direito e esquerdo do capitão, como ele mesmo tratava o auxiliar, o homem que tudo sabe e fez, o leva-recados e traz encomendas, o cara da pasta e das confidências ao pé de orelha, encarnou o papel de pivô das preocupações do casal, embalando tamanho nervosismo a fluir pelos poros. Sim, ele mesmo, Mauro Cid, a figura que não sai mais dos noticiários, ajudante de desordens (como passou a ser conhecido jocosamente em Brasília), para salvar a própria pele, responder ao desprezo e abandono do antigo chefe, aconselhado por advogados e levado pelo aval da família, decidiu falar, denunciar o que sabe, incriminar a quem de direito, nominar os envolvidos. Sob olhares incrédulos do “mito” em pessoa – que até o último momento imaginava irrepreensível o silêncio conveniente do colaborador; que jamais acreditou numa delação irrestrita a corroborar indícios mais do que evidentes –, o impensável aconteceu, o inesperado se confirmou. O militar abriu o verbo. Mauro Cid tratou até da participação de outros colegas de caserna. Testemunhou e contou o que viu e ouviu. Quem do grupo exclusivo das investigações teve acesso às narrativas, assegura serem elas demolidoras. Mauro Cid mostrou, da maneira como pôde, que o ex-presidente está de fato no centro das articulações que abalaram a República e conspirou para uma tomada do poder à força. Dele, Bolsonaro, emanavam (todos já sabem!) os planos, as ordens e equívocos de diversas naturezas a infringir Leis e princípios — da falsificação da carteira de vacinas ao contrabando de joias, passando por (não menos importante) arranjos para os arroubos do golpismo malfadado. Somente isso já seria o bastante a explicar o desânimo indisfarçável da antiga dupla do Planalto e o desespero sem fim expressado por aliados do bolsonarismo. A delação de Cid foi finalmente homologada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes. O que na prática (é elementar!) significa que ela vem carregada de novidades. Do contrário, não teria o aval do Tribunal. A simples menção de ter o testemunho validado para fins de acordo com a Justiça diz muito. É unânime dentre juristas a impressão de que a delação deixaria de ser encarada como tal, ou aceita, caso não contivesse algo de explosivo a agregar aos autos, uma prova a mais além do mar de evidências e documentos probatórios já recolhidos. O testemunho de um protagonista dessa envergadura diz muito e gera uma onda de desdobramentos difíceis de conter. Ainda correndo em sigilo, os relatos do tenente-coronel, agora afastado do Exército, monitorado por tornozeleira, com passaporte apreendido e sob serviço de proteção à testemunha, estão em vias de investigação e checagem por parte da Polícia Federal, que irá reunir provas e novos dados dos fatos. Eis a realidade intransponível: Mauro Cid, o confidente mais íntimo do clã do laranjal, rompeu a propalada fidelidade, abriu o bico para se safar tão logo ficou evidente que seria lançado aos leões como única e isolada presa. O ex-presidente e a ex-primeira-dama confundiram subordinação com servidão e o coronel se deu conta de que o código de honra da farda, no caso, serviria apenas para destruir a sua reputação em proveito alheio. Nada feito. O passeio de diamantes, Rolex, registros falsos de documentos, rascunhos de estratagemas de golpe, gambiarras de toda ordem têm um sujeito maior por trás e é movido pelos interesses pessoais dele. Que seja, pois, responsabilizado quem de direito. No reino da Justiça, a delação de Mauro Cid é vista como um nocaute que coloca Bolsonaro às portas da cadeia. O ex-capitão pode inclusive ser expulso do quartel. Desdobramentos correm em várias direções, mas o cerco se fecha. Mauro Cid, como é da natureza humana, prefere a sua liberdade à de Bolsonaro. A rigor, o Messias do cerrado, que só via três opções para o seu futuro – sair vitorioso das eleições (que perdeu), a morte ou a prisão –, está bem perto da última das alternativas.