Comportamento

O perfume de Cleópatra recriado em SC: elixir da eterna sedução

Fragrâncias que encantaram impérios, como as de Cleópatra VII, são reproduzidas por cientistas norte-americanos e europeus. Receita do perfume da rainha do Egito é recriada no Brasil por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina

Crédito: Divulgação

Anelise Regiane, coordenadora da equipe de brasileiros que recriou o perfume de Cleópatra (Crédito: Divulgação)

Por Alan Rodrigues

O perfume é uma das formas mais antigas de expressão pessoal. Além de possibilitar uma espécie de viagem no tempo ao transportar a quem o sente para épocas ou situações marcadas pelo aroma. Desde a antiguidade, as pessoas usam fragrâncias para se sentirem mais atraentes, confiantes e sofisticadas. Representação melhor disso foi Cleópatra, a rainha do Egito. Uma sorte histórica foi a preservação da receita do aroma preferido da monarca em grego e romano antigo. De posse da prescrição, que leva azeite de oliva, mirra, cardamomo, canela e óleo de tâmara do deserto, uma equipe de cientistas da Universidade Federal de Santa Catarina recriou a fragrância preferida da dama do Nilo.

Cleópatra VII viveu entre 69 A.C e 30 A.C. A última governante do Reino de Ptolemaico era conhecida e reconhecida por sua liderança, astúcia política e por seu gosto pelo aroma das flores, óleos e perfumes exóticos encantadores.

Para ela, o uso das fragrâncias não era apenas uma vaidade pessoal, mas um propósito de seduzir seus amantes e criar uma aura de poder e mistério ao redor. “Um ar de romantismo, audácia e poder era o fascínio que movia Cleópatra e até hoje move quem segue esse mito”, diz a cientista Anelise Regiane, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFCS).

Escavações no Egito encontram ingredientes do perfume da rainha em vasos de cerâmica (Crédito:Tell Timai/divulgação)

O dicionário etimológico de língua portuguesa ensina que a palavra “perfume” tem origem no latim “Per Fumum”: per (através) e fumum (fumaça), ou seja, “através da fumaça”.

As primeiras essências exalavam os cheiros das plantas aromáticas que eram queimadas – ervas e especiarias em forma de incensos. Essas fragrâncias são conhecidas desde o esplendor da civilização egípcia, há cerca de 3.000 anos a.C.

Como eram politeístas, ou seja, adoravam vários deuses, eles acreditavam que seus pedidos e orações chegariam mais rapidamente às divindades se viajassem nas nuvens de fumaça aromática que subia aos céus.

Em 2019, os cientistas alemães decodificaram os segredos do perfume de Cleópatra: a tal receita que leva azeite, mirra, cardamomo, canela e óleo de tâmara. As instruções da fragrância da monarca ptolomaico foram preservadas e recentemente uma equipe de cientistas da UFSC, coordenados por Anelise Regiane, recriou o aroma exibindo o resultado na mostra “A química dos perfumes”, em exposição permanente no campus, em Florianópolis.

“A ideia do projeto é apresentar a química em nosso dia a dia, de forma mais atrativa e significativa, e, em muitos casos, até lúdica, usando um importante recurso didático: a experimentação”, explica Anelise.

Ainda segundo a pesquisadora “o cheiro do perfume é muito bom, muito gostoso, a gente sente bem o aroma da canela e o adocicado da mirra.”

Nas últimas décadas, a academia se debruçou sobre o legado da rainha, falecida aos 39 anos de idade, em busca do elixir da eterna beleza.

Em 2012, escavações no norte do Egito, onde ficava a antiga cidade de Tmuis, identificaram nas ruínas da casa de um provável perfumista e ânforas – como são chamados os vasos cerâmicos que armazenavam produtos – com vestígios aromáticos usados há milhares de anos.

(Istockphoto)

O cheiro da eternidade

No final de agosto, a revista Scientific Reports publicou um artigo sobre o “cheiro da vida após a morte”. A pesquisa, do Instituto Max Planck de Geoantropologia, da Alemanha, descobriu, também no Egito, potes canópicos, com tampas em formato de cabeças humanas, com cera de abelha, óleos vegetais e resinas de árvores.

“O cheiro da eternidade” ou “o perfume da vida eterna” era o aroma do bálsamo que foi usado na mumificação de uma mulher de alto padrão social, Senetnay, que viveu na região há cerca de 3.500 anos, e cujos restos foram encontrados em 1900.

Quase nada se sabe sobre a senhora Senetnay, apenas que ela viveu por volta de 1.450 a.C. e foi ama de leite do Faraó Amenhotep II. “Os ingredientes encontrados nos bálsamos de Senetnay estão entre os mais elaborados e diversos já identificados desse período, revelando o cuidado meticuloso e a sofisticação com que foram criados”, disse a principal autora do estudo, Barbara Huber.

Importante ressaltar que os egípcios acreditavam na preservação do corpo para a vida após a morte, para que a alma da pessoa tivesse um lugar para onde retornar.

Brasil

“A história da perfumaria no Brasil começa muito antes da chegada dos europeus e da família real. Vem dos indígenas o nosso hábito de tomar banhos diários e de usar ervas cheirosas para o ritual. Por isso, a gente coloca perfume até no inseticida e na água sanitária. Temos um verdadeiro guarda-roupas olfativo”, diz Anelise.

De acordo com dados da consultoria Euromonitor Internacional, o Brasil é, atualmente, o segundo maior mercado consumidor de fragrâncias, perdendo apenas para os Estados Unidos.

Números da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos indicam que o setor movimentou US$ 1,5 bilhão no ano passado. “O gosto pelo perfume está no DNA do brasileiro”, conclui a cientista.