Comportamento

Conheça o projeto babilônico dos endinheirados do Vale do Silício

Bilionários adquirem durante anos terras na Califórnia, colhem desconfiança de moradores da região, de militares e são obrigados a revelar o segredo: construir uma cidade utópica do zero

Crédito: Justin Sullivan

Sai a poeira, entra a Flannery Associates: empresa quer levantar primeira cidade inteligente do mundo baseada em energia limpa, sustentabilidade e tecnologia (Crédito: Justin Sullivan)

Por Elba Kriss e Luiz Cesar Pimentel

Durante anos, um comprador misterioso adquiriu terras no Condado de Solano, na Califórnia, Estados Unidos, cerca de 100 km distante de São Francisco. Até poucos dias, o administrador, que fazia as negociações sob o nome de Flannery Associates, gastou quase U$ 1 bilhão em área duas vezes maior que a cidade mais populosa do condado, Vallejo (115 mil habitantes). A notícia da compra em massa chamou a atenção não apenas de políticos locais, mas dos militares e do Departamento de Investigação Federal, o FBI. Só então foram revelados os novos proprietários do vasto território: são alguns dos responsáveis por transformar o Vale do Silício no centro global de tecnologia. O objetivo da aquisição desenfreada? Criar uma nova cidade com “energia limpa, transporte público e vida urbana densa”.

Por trás do que pode se chamar de Projeto Babilônico estão:
* o cofundador do LinkedIn, Reid Hoffman;
* Laurene Powell Jobs, fundadora da Emerson Collective e viúva de Steve Jobs;
* o bilionário Michael Moritz;
* Marc Andreessen, investidor e desenvolvedor de software;
* Patrick e John Collison, irmãos cofundadores do meio de pagamentos Stripe,
* e os empresários Daniel Gross e Nat Friedman.

Quem juntou a turma foi um ex-operador de investimentos do banco Goldman Sachs, Jan Sramek. Um site da Flannery com todos os propósitos visionários já está no ar, na tentativa de conter a proliferação do sentimento de ameaça que dominou a região.

O projeto utópico ganhou nome romântico: California Forever.

California Forever: parques, centro de artes, lojas, restaurantes e escolas profissionalizantes entre fazendas solares e espaços abertos (Crédito:Divulgação)

Desde que foram responsabilizados por levarem problemas urbanos a cidades no Vale do Silício, com as sedes de gigantes como Google e Facebook (atual Meta), os bilionários manifestam desejos expansionistas.

Os 55 mil acres captados em Solano, no entanto, não são regulamentados para uso residencial, o que os levará a um processo de lobby junto aos residentes para aprovação do objetivo.

Assim, divulgam promessa de milhares de empregos, além de investimento em parques, centro de artes cênicas, restaurantes e lojas, com incremento da receita tributária local.

A Flannery divulgou campanha digital para reverter a opinião pública. “Até o momento, nossa empresa tem sido discreta em relação às atividades. Isso, compreensivelmente, gerou interesse, preocupação e especulação. Agora não limitados pela confidencialidade, estamos ansiosos para iniciar uma conversa a respeito do futuro do condado de Solano”, citam os sócios, em comunicado.

Reid Hoffman, cofundador do LinkedIn: investidor proeminente do Vale do Silício integra time de apoiadores (Crédito:Phillip Faraone)

A campanha trouxe à tona croquis do que virá a ser a California Forever: áreas urbanas ensolaradas com casas em estilo mediterrâneo. Os investidores justificam que, “para uma comunidade completa e sustentável”, precisavam de grande território para erguer uma potência econômica.

Laurene Powell Jobs, fundadora da organização filantrópica Emerson Collective: discreta viúva de Steve Jobs (Crédito:Jemal Countess)

Só que os executivos não convenceram os governantes locais. A prefeita de Fairfield, sede do condado, Catherine Moy, planeja um “plano de defesa” com aliados. “A única coisa que Flannery fez foi nos unir”, disse. “E com isso quero dizer: cidadãos, ambientalistas, construtores, políticos — todos juntos para construir um muro para detê-los.”

California Forever, por outro lado, atrai a curiosidade de profissionais de tecnologia, sustentabilidade e energia limpa ao redor do mundo.

“Creio que veremos o primeiro caso integral de uma cidade inteligente”, analisa Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação. “Não ficaria surpreso em ver diretrizes de 100% de automóveis elétricos e orientação de eliminar a pegada de carbono.”

Os arquitetos Celso Grion e Erick Tonin, sócios da Effect Arquitetura, listam que a elite do Vale do Silício tem pré-requisitos para levantar uma localidade, além de tudo, inclusiva. “Menos segregadora, com uso de recursos naturais racionalizados, garantias de acessibilidade e infraestrutura para suportar seu crescimento”, consideram.

Tiago Lobão, membro do Conselho Deliberativo do Instituto Brasileiro de Estudos do Direito da Energia (IBDE), alerta que norte-americanos devem se atentar a questões que envolvem as mudanças climáticas. “É quase mandatório que a energia que alimentará essa cidade seja proveniente de fontes limpas e renováveis”, diz. “Mas sem renunciar à energética. Por isso que existem as termoelétricas.” É aguardar para ver o que e como será erguido.