Brasil

Três partidos correm risco de implosão por guerra interna

União Brasil, Rede e Cidadania enfrentam disputas envolvendo seus comandos e podem rachar. Em alguns casos, o foro para a resolução dos conflitos é a Justiça, mas há quem prefira partir para agressões verbais

Crédito: Paulo Lisboa/AFP; Jefferson Rudy/Agência Senado; Karime Xavier/Folhapress; Mateus Bonomi/AFP

Por Gabriela Rölke

O discurso é de que em breve a paz vai voltar a reinar, até porque o ano de 2024 se aproxima e os partidos precisam manter o foco nas eleições municipais se quiserem chegar competitivos a 2026 para garantir sua sobrevivência. Mas no União Brasil, na Rede e no Cidadania, pelo menos por ora o que impera é a cizânia.

As cúpulas vivem uma guerra interna que ameaça implodir as legendas. Fusão entre o PSL (que elegeu Jair Bolsonaro em 2018) e o antigo DEM, o União nunca foi exatamente uma agremiação unida, mas as rusgas estão se agravando.

Seu presidente, o deputado federal Luciano Bivar, tenta manter o controle, embora os dois grupos vivam às turras desde a fusão, em fevereiro de 2022.

Já a Rede e o Cidadania, comandados respectivamente pelos ex-senadores Heloísa Helena e Roberto Freire, encontram dificuldades para se segurar diante das movimentações das bases.

O União já foi o maior partido do Congresso, com mais de 80 deputados. Atualmente com 59 cadeiras na Câmara e três pastas na Esplanada dos Ministérios, a legenda vive na verdade uma desunião.

Há insatisfação com o presidente Bivar e a forma impositiva com a qual ele conduz o partido. A contrariedade ficou explícita em uma carta aberta assinada por estrelas do partido egressos do antigo DEM como:
* o ex-prefeito de Salvador ACM Neto;
* o governador de Goiás, Ronaldo Caiado;
* e os senadores Dorinha Seabra e Davi Alcolumbre, ex-presidente do Senado.

Eles cobram respeito ao estatuto da agremiação. Queixam-se que Bivar removeu o comando do diretório do Amazonas sem consultar a cúpula nacional. O grupo diz que o presidente da legenda “tenta impor uma decisão individual que pode abrir um precedente inaceitável”.

Na justiça

“Um presidente nacional só pode deliberar a respeito de qualquer ação, em qualquer estado, depois de obter autorização da Executiva”, protestaram os antigos demistas.

A querela foi judicializada. Um parlamentar ligado ao ex-prefeito de Salvador diz que a intenção é colocar um “freio” em Bivar e à sua forma “pouco profissional” de administrar o partido.

Ainda segundo esse parlamentar, o partido pode se desfazer caso continue sob o atual comando. “Não estou falando só dos egressos do DEM. Gente que era do PSL também começa a enxergar que não dá pra permanecer no partido com um presidente desses”, diz.

Aliados de Bivar, por outro lado, descartam que a pressão dos adversários seja suficiente para fazê-lo abrir mão do posto. Um parlamentar ligado ao pernambucano garante que, a despeito de eventuais discordâncias, o partido segue “coeso”. “É como um caminhão se melancias. Em algum momento, as coisas vão se assentar”, garante.

Na Rede, a briga já fez a legenda perdeu seu único senador: Randolfe Rodrigues. O líder do governo no Congresso assinou sua desfiliação porque deseja a adesão total a Lula e a liberação da exploração de petróleo na foz do Amazonas (o que o colocava em rota de colisão com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, fundadora da agremiação).

E a alagoana Heloísa Helena está tendo que lidar com uma nova realidade: já não exerce no partido a liderança hegemônica de outrora. Ela, que como dirigente do partido contava com o apoio de cerca de 80% dos filiados, recentemente viu crescer a ala ligada a Marina, que tem o apoio hoje de 45% da sigla e que, em razão disso, passou a ocupar mais espaços na estrutura partidária.

O pano de fundo da disputa entre os grupos também tem a ver com o futuro do partido: o grupo de Heloísa Helena chegou a defender publicamente a fusão da Rede com o PT, já que em 2022 o partido elegeu apenas dois deputados federais. O grupo de Marina, por sua vez, é contra.

Correligionários da ministra criticam ainda a forma “personalista” como Heloísa conduz a Rede e cobram a democratização das decisões administrativas da legenda. Emplacaram uma aliada, Juliana Pereira de Sá, na tesouraria do partido, para desgosto do grupo de Heloísa, que tentou afastá-la.

Seria uma tentativa do grupo majoritário de se manter no controle financeiro do caixa partidário, mas o caso foi levado à Justiça e Juliana foi mantida ao posto.

Troca de ofensas

Já nas disputas internas do Cidadania, o conflito escalou. Descambou até mesmo para gritos e xingamentos numa recente reunião da executiva nacional.

Presidido há 31 anos pelo ex-deputado federal Roberto Freire, o partido não se entende. A dúvida existencial também diz respeito à adesão ao governo Lula.

Freire, que resiste à ideia, foi chamado de “caudilho” pelo grupo que tenta derrubá-lo e chegou a se dirigir ao secretário-geral, Regis Cavalcante, com um “cala a boca”. Ele não pode mais se reeleger para o comando da sigla em razão de uma alteração no estatuto.

O partido, no entanto, nega a crise. Em carta aos filiados, uma ala da cúpula partidária ressalta o “papel central” de Freire no partido — mas sustenta que sua “recondução continuada” tornou-se “contraproducente”.

Já era sabido que a cláusula de barreira (que tira verbas públicas das legendas que elegem poucos deputados) imporia uma reacomodação partidária, mas a velocidade (e ferocidade) com que algumas agremiações tradicionais se digladiam surpreende até os analistas mais experientes.