Brasil

Campanhas eleitorais podem gerar rombo nas contas do governo. Aí, adeus déficit zero

Fernando Haddad tenta segurar as despesas para zerar o déficit em 2024. Já os parlamentares cobiçam verbas cada vez maiores. Olhos nos olhos, as questões são: de onde sairá o dinheiro? Como satisfazer as duas partes?

Crédito: Gabriela Biló /Folhapress

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad: interesses incompatíveis (Crédito: Gabriela Biló /Folhapress)

Por Regina Pitoscia

Desde que foi colocada nos cofres públicos, a questão das verbas para as campanhas eleitorais é uma novela sem fim: o montante cobiçado pelos parlamentares supera em muito o que foi reservado pelo governo federal no orçamento de 2024. Para cumprir a meta de déficit zero no ano que vem, o ministro da fazenda, Fernando Haddad, precisa segurar as rédeas de gastos e fez previsão de R$ 939 milhões para o fundo eleitoral. Inconformadas com a cifra, lideranças na Câmara dos Deputados se articulam para alterar o projeto e elevar a verba em mais de 480%, algo perto de R$ 5,5 bilhões.

As eleições para vereadores e prefeitos em 2024, em mais de 5,5 mil municípios do País, compõem o pano de fundo dessa pressão.

Ao mesmo tempo que defendem a volta do financiamento de empresas, especialmente para campanhas municipais, em que o número de candidatos tende a ser bem maior, deputados já sinalizam que o trecho que define valores do fundão na LDO será alterado.

Eles justificam mais dinheiro, alegando:
* despesas de campanha com cobertura de viagens,
* panfletos,
* propagandas,
* comunicação em redes sociais.

E assim por diante.

O problema não está exatamente no financiamento público, diz o cientista político Claudio Gonçalves Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV EAESP), e cita a Alemanha como exemplo bem-sucedido do modelo.

Os entraves, segundo ele, passam por uma questão estrutural no formato do sistema eleitoral do Brasil, que aumenta sobremaneira os custos e tornam as campanhas muito caras.

“Os candidatos precisam percorrer longas distâncias para arrebanhar os seus votos, além de sofrerem uma forte concorrência de seus próprios colegas de partido.”
Claudio Gonçalves Couto, da FGV

O fato é que, o fechamento das contas fica comprometido para a equipe econômica, que propõe rigor no manejo dos recursos públicos e déficit zero no curto prazo.

Já os valores demandados pelo Congresso são questionados por especialistas, embora reconheçam que há entre os números defendidos pelas partes uma boa margem de barganha, tanto de um lado quanto de outro, aponta Couto.

Leonardo Paz Neves, professor de Relações Internacionais do Ibmec RJ, ressalta que a cada ano o Congresso sobe a régua para fixar verbas para o fundo eleitoral. Os valores demandados são estratosféricos, sem que haja bases técnicas para justificá-los.

Em 2018, o total ficou em R$ 1,7 bilhão, em 2020 subiu para R$ 2 bilhões e em 2022 aos R$ 4,9 bilhões. O processo de emendas parlamentares deu mais poder à Câmara e ao Senado, diminuindo a capacidade do governo na negociação dos recursos. O método desigual pelo qual é feito o rateio também é questionado. O reparte acontece por bancada e quanto mais representantes nas Casas, mais recursos recebe o partido.

“A cada ano o Congresso Nacional sobe a régua na fixação de verbas para o fundo eleitoral.”
Leonardo Paz Neves, professor de Relações Internacionais

As dificuldades para o financiamento das campanhas ficaram mais evidentes desde que o Supremo Tribunal Federal proibiu doações de empresas em 2015.

Foi uma medida que atendia a uma questão de transparência, em um momento que pipocavam casos de corrupção pegos pela operação Lava Jato.

O sistema passou, então, a ser sustentado pelos cofres públicos e por pessoas físicas. As plataformas que permitem a participação financeira do eleitor comum já funcionam, com o uso de cartão de crédito, algo simples de ser feito, mas ainda incipiente.

“Não há tradição do brasileiro em doar para as campanhas, porque existe uma percepção negativa em relação aos partidos políticos, e não há incentivos. No Canadá, por exemplo, o eleitor pode abater os valores destinados a partidos em seu imposto de renda”, pontua Neves.

Os especialistas concordam que há um certo comodismo dos partidos em usar o dinheiro do fundão em vez de partir para o corpo a corpo e ampliar a base de eleitores e doadores.

Ao mesmo tempo, tramita na Câmara uma minirreforma eleitoral, prevendo ampla anistia aos partidos políticos que foram punidos por usar verbas de campanha de forma irregular.

Não apenas isso. Uma lista de permissões foram incluídas no projeto: uso de doações por pessoas jurídicas para quitação de dívidas assumidas pelo partidos até 2015, realização de boca de urna no dia das eleições, doações via PIX, movimentações financeiras feitas por bancos digitais, entre outras.

As mudanças nas regras eleitorais também se tornaram tradicionais às vésperas de eleições, e foram criticadas por Couto, que defende normas mais elaboradas, sofisticadas, e mais estáveis.

Tanto o cientista político da FGV como o professor do Ibmec entendem que a saída para preservar os cofres públicos e, portanto, o dinheiro do contribuinte, estaria principalmente na redução dos custos de campanha, o que implicaria em mudanças no sistema eleitoral, com votos em subdistritos, ou votos distritais, encolhendo o território a ser coberto pelo candidato.