Brasil

Lula no G20: campo minado ou palco para brilhar? Especialistas comentam

O presidente reafirma seu prestígio e Brasil acumula cargos de comando, da presidência do Mercosul até do G20, que recebe simbolicamente no domingo, para assumir em dezembro. Mas precisará ampliar suas habilidades em um cenário desafiador

Crédito: Anna Moneymaker

Lula segue para o encontro do G20 na Índia, onde se encontra com o colega americano Joe Biden (Crédito: Anna Moneymaker)

Por Denise Mirás

Nova Délhi, na Índia, recebe a cúpula do G20 (que reúne os países mais ricos no mundo) neste fim de semana, com a participação do presidente brasileiro em ambiente de muita tensão entre o país anfitrião e a China. Lula faz o discurso de encerramento no domingo, 10, recebendo simbolicamente a presidência do grupo, com mandato oficial que se inicia em 1º de dezembro e vai até novembro de 2024 — mesmo mês em que organiza a próxima reunião do G20, no Rio de Janeiro. É mais um passo importante na volta do Brasil ao cenário internacional.

O País já tem a presidência do Mercosul, iniciada em julho, a participação significativa no BRICS em agosto, e agora segue para a presidência do Conselho de Segurança da ONU, em 1º de outubro (já ocupa um assento rotativo, apesar de não ser membro permanente do órgão).

Ainda pleiteará a volta ao Conselho de Direitos Humanos, que será avaliada na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, entre os dias 19 e 23. Lula fará o discurso inaugural pelo Brasil, como manda a tradição.

Emmanuel Macron, presidente da França, e o anfitrião indiano Narendra Modi (Crédito:Gauthier Bedrignans;Money Sharma)

Sobre essa maior presença brasileira no cenário internacional, o professor Rubens Ricupero, que foi representante do País nas Nações Unidas e embaixador nos EUA, afirma: “Sem dúvida a direção de tantos grupos heterogêneos dará protagonismo ao Brasil. O que não garante acréscimo de prestígio, que só virá se a presidência brasileira for vista pelas demais como imparcial e competente na tarefa de gerar posições consensuais”.

Por enquanto, o presidente terá essas capacidades colocadas à prova na capital indiana, sem a presença do russo Vladímir Putin (que sofre o risco de prisão por crimes de guerra, após ser condenado no Tribunal Penal Internacional de Haia), nem do chinês Xi Jinping (para “decepção” do americano Joe Biden).

Esse “forfait” dá conta da tensão geopolítica. Confirmada a ausência do líder do país vizinho e rival regional, a Índia iniciou treinamentos militares “anuais” em um trecho disputado de fronteira, que seguirão por 11 dias.

Na recente cúpula do BRICS, Xi e o primeiro-ministro indiano Narendra Modi concordaram em tentar diminuir tensões. Mas, seja por provocação chinesa (que recentemente apresentou mapa mostrando territórios anexados de vizinhos), por não querer reforçar o “momento” da Índia, ou mesmo pelos problemas econômicos internos que se atropelam e precisam de decisões urgentes, Xi Jinping desistiu de viajar para Nova Délhi, o que a Índia considerou no mínimo como “desfeita”.

É nesse campo minado que Lula está pisando. E voltará a pisar na sede das Nações Unidas, entre os dias 19 e 23, quando se verá em fogo cruzado nos debates sobre a guerra na Ucrânia.

E isso a menos de um mês de o Brasil assumir a presidência do Conselho de Segurança da ONU, onde a diplomacia brasileira ambiciona assento permanente, com poder de veto, o que colocaria o país de vez no restrito “clube” que decide sobre questões mundiais — e que conta apenas com:
* EUA,
* Rússia,
* França,
* Reino Unido (os Aliados da Segunda Guerra),
* mais a China, aceita em 1971.

Sobre a reunião do G20, “com as 20 maiores economias e os países mais poderosos do ponto de vista geoestratégico”, Ricupero observa que, se há convergência, é possível enfrentar uma crise como a financeira de 2008; mas se há antagonismo, como agora, entre EUA e China, a representatividade do grupo é prejudicada.

“A importância do mandato brasileiro na presidência do Conselho de Segurança dependerá da conjuntura que prevalecer no período e da capacidade do País em atuar pela aproximação de posições e construção de bom senso.”

Aviso de ausência de Xi Jinping acirrou tensões com a Índia (Crédito:Thomas peter)

Dos Brics e G20 ao Conselho da ONU

Combate à desigualdade, meio ambiente e vaga permanente no Conselho de Segurança são prioridade

Na última semana de agosto, Lula condicionou seu voto pela expansão do BRICS, enfim acertada, ao apoio chinês pela vaga como membro permanente, e com poder de veto, no Conselho de Segurança da ONU.

No entanto, a China não foi explícita nesse apoio. E nem Lula falou sobre o assunto com o colega americano Joe Biden — o que, na visão de Roberto Goulart Menezes, professor de Relações Internacionais da UnB, poderá ser tema de uma conversa em Nova Délhi, em meio a acordos bilaterais.

Mesmo sendo impossível que uma decisão como essa, que a diplomacia brasileira persegue há três décadas, saia de supetão por parte de Biden.

“De todo modo, depois de condenar a invasão russa, Lula parece decidido a calibrar sua postura sobre a guerra na Ucrânia com o assento permanente no Conselho de Segurança. Está no retrovisor dele.”
Roberto Goulart Menezes, professor da UnB

Sobre essa vaga, “tem ônus e bônus”, como explica o professor: “O Brasil seria obrigado a contribuir mais em missões de paz e hoje seria no Gabão, Níger, Haiti. Também precisaria colocar mais a mão no bolso. Mas passaria a fazer parte de um grupo de elite, com status para deliberar sobre questões internacionais”.

Em reunião do BRICS em Johannesburgo, Lula procurou apoio da China (Crédito:Ricardo Stuckert/PR)