O país que nos revolta

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Rosane Borges: "É preciso indignação e reação coletivas capazes de repactuar uma sociedade em que a cultura do jagunço seja extirpada definitivamente de um Brasil" (Crédito: Divulgação)

Por Rosane Borges

Mais um assassinato bárbaro. Mais um crime encomendado. Mais uma dura violação dos direitos humanos. Mais uma perseguição implacável aos povos quilombolas e às lideranças religiosas de matriz africana. No último 17, a ialorixá e quilombola Bernadete Pacífico, 72, foi assassinada com 14 tiros dentro do terreiro de candomblé na cidade de Simões Filho, região metropolitana de Salvador.

Mãe Bernadete, assim conhecida, era uma das lideranças do quilombo Pitanga dos Palmares. Embora as investigações sobre a causa do crime estejam apenas no início, há claros indícios de que a morte de mãe Bernadete tenha sido motivada por disputa de terra: moradores relatam que Pitanga de Palmares era alvo de especulação imobiliária e tentativas de grilagem de terra, o que vinha ocasionando disputas políticas que escalavam a cada dia.

A morte de Mãe Bernadete é a prova cabal da incapacidade do poder público em proteger defensores de direitos que sofrem perseguições das raias dos poderosos, muitos movidos por pura ganância. Não podemos esquecer que mesmo sob a proteção do Estado, uma senhora de 72 anos tem sua vida ceifada, uma lição dolorosa de que tem algo de podre no reino da terra brasilis, desde 1520.

Em encontro recente com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, Mãe Bernadete foi cristalina: “é o que nós recebemos, ameaças. Principalmente de fazendeiros, de pessoas da região.

Todo esse cenário de horror, povoado por ganância e injustiças, coloca em risco a vida de pessoas comprometidas como exercício do Estado Democrático de Direito

Hoje eu vivo assim que não posso sair que eu estou sendo revistada. Minha casa é toda cercada de câmeras, eu me sinto até mal com um negócio desse”.

O lastro de perseguição e morte da líder religiosa e quilombola tem como antecedente o assassinato do filho dela, Flávio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho, ocorrido há seis anos, em condições semelhantes. Todo esse cenário de horror, povoado por ganância e injustiças, coloca em risco a vida de pessoas comprometidas com o exercício do Estado Democrático de Direito.

A morte do filho e da mãe põem em evidência a fragilidade do poder público em proteger vulneráveis, que veem suas vidas ameaçadas e subtraídas ao longo da história do País. É preciso indignação e reação coletivas capazes de repactuar uma sociedade em que a cultura do jagunço seja extirpada definitivamente de um Brasil que insiste viver sob o código de um mandonismo escravagista.