Comportamento

Futebol S/A: lei ajuda, mas clubes precisam de gestão focada em negócios, dizem especialistas

As SAFs garantiram a sobrevivência de clubes à beira da falência, mas dirigentes ainda precisariam se entender para criar uma Liga que tratasse o futebol como “produto”, com potencial para lucros ainda mais extraordinários

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Com a lei federal 14.193, que SAF, sete clubes já se valem das vantagens tributárias e da segurança jurídica que atraem investidores (Crédito: Istockphoto)

Por Denise Mirás

Clubes como Botafogo e Cruzeiro, que estavam à beira da falência, conseguiram sobreviver com a aprovação da lei federal 14.193, que instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) em agosto de 2021. Hoje são sete clubes que se valem das vantagens tributárias e da segurança jurídica que atraem investidores atrás de lucros a médio e longo prazo e o Botafogo, por exemplo, que conseguiu driblar até um possível desaparecimento para chegar à liderança da Série A do Brasileiro, atesta o sucesso do formato SAF. O Cruzeiro, que nem pagava mais a compra de jogadores, conseguiu voltar à Primeira Divisão e há mais clubes atrás dos lucros. O Atlético-MG é o mais recente a ser tornar SAF, sob a direção de quatro “torcedores-mecenas” que decidiram investir na salvação do time.

Um salto nos negócios do futebol brasileiro poderia ser bem mais avançado se os clubes formatassem uma Liga, para arrecadar receita e dividir lucros com a disputa do Campeonato Brasileiro da Série A e Série B.

Mas os clubes não se entendem e seguem divididos ao menos por enquanto entre dois grupos de investidores — a Mubadala, dos Emirados Árabes, e o Serengeti, dos EUA —, e também empacados quanto às porcentagens de direitos de transmissão de tevê a serem divididas.

Se o futebol fosse definitivamente gerido como “produto”, acreditam analistas da área, novos negócios poderiam ser abertos, da revenda de torneios a plataformas de streaming e tevês do Exterior, até a produção de games e álbuns de figurinhas.

“Com a SAF, criou-se um tipo societário especial, que garante a segurança jurídica de clubes e de investidores. O futebol fica separado do clube social e recebe os aportes, sob um regime tributário específico e mais obrigatoriedade de transparência. Paga-se menos em imposto, mas quitar dívidas — que podem ser escalonadas — é obrigatório, além de investir no futebol”, explica Vicente Pithon, consultor legislativo especialista na área esportiva.

Alexandre Leitão, gestor de negócios do futebol: “O Brasil tem um produto atrativo para gerar receitas e potencial longe a ser alcançado” (Crédito:Divulgação)

O Cruzeiro foi o primeiro a se tornar SAF, quando seu ex-jogador Ronaldo e a Tara Sports compraram 90% das ações por R$ 400 milhões, em dezembro de 2021.

Ele já tinha 51% das ações do Valladolid, da Segunda Divisão da Espanha, adquiridas por € 30 milhões em 2018. Como o “dono” da SAF fica com a receita geral, recebe pelos direitos de transmissão de jogos pela TV a publicidade nas camisas e outros patrocínios), o valor pago pelo Cruzeiro foi considerado irrisório — como comparação, apenas para campeão e vice da Copa do Brasil deste ano a CBF reservou R$ 100 milhões.

Mas também era um negócio de risco, porque o time estava na Série B, sem garantia nenhuma de que conseguiria subir — o que acabou alcançando já em 2022, para disputar a Série A do Brasileiro neste ano, mesmo ainda endividado. “O Ronaldo montou uma equipe boa de gestão”, diz Pithon. “E poderá ‘ganhar’ de seis a sete vezes o que investiu, em 10 ou 15 anos.”

A mais recente SAF foi constituída pelo Atlético-MG em julho e tem como investidores Rubens Menin, Rafael Menin, Ricardo Guimarães e Renato Salvador, os 4Rs, da Galo Holding.

O Red Bull/Bragantino, que se constituiu como empresa em fevereiro de 2021, mesmo ainda sem se decidir pela SAF já lucrou perto de R$ 150 milhões agora em agosto, com venda de jogadores, a última delas do zagueiro Natan, de 22 anos, para o Napoli da Itália por € 10 milhões.

Liga como salto

A Liga é chave para o futebol brasileiro, mas clubes grandes e pequenos ainda oscilam entre o Mubadala, que tem parceria com a brasileira LCP (Life Capital Partners) e maioria dos times da Libra (Liga do Futebol Brasileiro) como Flamengo, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Bahia e Santos, e a americana Serengeti, que se acercou da LFF (Liga Forte Futebol) e teria tirado Botafogo, Cruzeiro e Vasco da concorrente.

Mubadala e Serengeti querem percentual de contratos de tevê por 50 anos, o que alguns não aceitam. Os clubes também não se acertam quanto a porcentagens de arrecadação com direitos de transmissão, porque Flamengo ou Corinthians, por exemplo, ganham até 20 vezes o que um clube menor consegue.

Por sete anos CEO do Orlando City, Alexandre Leitão destaca a instituição da SAF e a criação de uma Liga como excelente oportunidade para o “negócio futebol” no Brasil, onde cada clube trabalha com sua realidade, como diz.

“São modelos diferentes. Nos EUA, a receita é única e a distribuição do arrecadado é igual para todos os clubes da Liga. Na Arábia Saudita, o investimento é estatal, para divulgação do país”, explica.

Aqui, um bloco único, com profissionais especializados, teria força maior para negociar vendas de direitos em formatos variados. “O Brasil tem uma chance enorme, pelo produto atrativo para gerar receitas e potencial ainda muito longe a ser alcançado. Precisa de governança, inovação e execução”, assinala Leitão.