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Lula: Neutralidade inexistente

Crédito: Jacques WITT / POOL / AFP

Lula e os líderes do G7: missão de sacudir o timão dos bilionários com sua boa prosa e, assim, os convencer a trazer dinheiro aos emergentes (Crédito: Jacques WITT / POOL / AFP)

Por José Carlos Marques

O Brasil está aprendendo a duras penas que não existe neutralidade possível em um conflito tão desigual como o envolvendo a Ucrânia com a Rússia. O recado foi dado por um também defensor da pacificação, o premiê da Índia, Narendra Modi. Ele e Lula chegaram na semana passada a série de encontros e tratativas do G7 – o chamado grupo dos ricos – com uma expectativa de protagonismo e premidos por uma arapuca inesperada: a presença não anunciada do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que galvanizou atenções e temática.

Lula estava ali no G7 para sacudir o timão dos bilionários com a sua natural boa prosa e, assim, os convencer a trazer mais dinheiro aos emergentes.

Trombeteou contra o que classifica de fracasso da ONU e das nações desenvolvidas com o restante do mundo carente e pobre, apelou por uma ajuda emergencial misericordiosa à parceira Argentina, sugeriu a criação de um novo sistema internacional de organização cooperativa no âmbito da ONU, mas acabou tendo de se concentrar mesmo nas provocações e pressões sobre o posicionamento brasileiro quanto às necessidades bélicas do visitante acidental das reuniões, o ucraniano Zelensky.

Foi levado a condenar a violação da integridade territorial daquele país invadido.

Assinou, quase a contragosto, uma declaração conjunta instituindo termos para a segurança global, alertou que a pressão desmedida sobre Putin poderia gerar um risco nuclear desnecessário, porém estava em minoria nesse sentido e virou instrumento dos demais na condução de um movimento que inquietou até os chineses, com quem esteve recentemente.

Nas rodadas do G7, Lula e sua entourage diplomática chegaram a acertar um encontro privado bilateral com o requisitado Zelensky. Marcaram na agenda, remarcaram ao menos três vezes horários e ocasiões distintas, em vão. Não deu certo (ou ambos, deliberadamente, acabaram por driblar as respectivas assessorias para que não ocorresse o tête-à-tête).

Fato é que Lula, levado pelas circunstâncias, teve de aderir ao apelo global contra os russos, contrariando posição tomada até recentemente em visita ao Kremlin.

No tradicional jornal norte-americano The New York Times, Lula foi tratado como simpatizante de Putin. É visto assim até hoje. Mas nem isso retirou-lhe o brilho e o verniz de uma estrela da cúpula, capaz de despertar o interesse de quase todos.

As conversas privadas com o demiurgo de Garanhuns ocorreram a todo instante. Sim, Lula ali esteve entre os mais procurados — algo a sinalizar e a reforçar seu já decantado prestígio internacional.

Nada menos que onze agendas especiais com alguns dos maiores líderes globais foram marcadas. Dentre elas, com o francês Emmanuel Macron, com o alemão Olaf Scholz, com o norte-americano Joe Biden, com o japonês Fumio Kishida, além da diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, e do secretário-geral da ONU, António Guterres, que reforçou apoio e adesão às teses de Lula.

O mandatário, a dúvida é zero, vai galvanizando atenções e promovendo o Brasil como poucas vezes antes. A busca por entendimentos com ele é tão recorrente que, em apenas 150 dias de governo, Lula já foi capaz de se encontrar com mais chefes de Estado do que o seu antecessor Jair Bolsonaro, em quatro anos inteiros de governo.

Foram mais de trinta ao todo e a agenda não para de ser consultada nesse sentido. O que todos parecem enxergar no petista é seu papel estratégico no esforço global pela erradicação da fome e na sustentabilidade planetária — pautas caras e já abraçadas claramente pelo presidente.

O ponto fora da curva, por enquanto, vem sendo justamente os comentários e sinalizações enviesadas quanto à guerra que hoje toma as atenções multilaterais. Lula necessita rever a ideia que imagina ser conciliadora, mas que, na verdade, gera ainda mais impasses.

No campo dos direitos humanos e territoriais, não há como enxergar diferente, a Ucrânia vem sendo afrontada. Lula insiste que ambos os lados precisam ceder. Erro homérico que abre um precedente perigoso para todos os países que no futuro porventura venham a ser invadidos — o Brasil inclusive.

No pano de fundo dessa querela está a reedição de uma guerra fria envolvendo as potências, e uma arbitragem rumo a pacificação tem de passar, invariavelmente, pelo consenso, já firmado na maioria, de que a Rússia precisa recuar.