Cultura

Série ‘Cangaço Novo’ atualiza o faroeste à brasileira

Com boa trama e incríveis cenas de ação, a série Cangaço Novo comprova que o sertão nordestino é o nosso Velho Oeste

Crédito: Divulgação

'Cangaço Novo' (Amazon Prime): cenas de ação pouco vistas em realizações nacionais (Crédito: Divulgação)

Por Felipe Machado

O cenário árido do Nordeste sempre foi um caldeirão de histórias ricas e fascinantes. Inúmeros clássicos da literatura brasileira, de Vidas Secas a Os Sertões, tiveram a região como cenário de seus dramas. No cinema, no entanto, a exigência por mais ação na linguagem audiovisual e a influência da narrativa norte-americana privilegiaram um personagem típico do território: o cangaceiro. Desde 1953, quando Lima Barreto dirigiu um filme batizado exatamente em homenagem a essa figura sociólógica, as produções frequentemente retornam ao mito do fora-da-lei do sertão, espécie de versão brasileira do bandido de bangue-bangue. As características semelhantes levaram à criação do curioso termo “Nordestern”, junção das palavras Nordeste e Western, o faroeste de Hollywood.

Uma das mais recentes novidades do gênero é a série Cangaço Novo, disponível no streaming Amazon Prime. Com excelente direção de Fábio Mendonça e Aly Muritiba, traz cenas de ação pouco vistas em realizações nacionais.

Conta a história de Ubaldo Vaqueiro (Allan Souza Lima), soldado expulso da corporação que se vê falido e sem perspectiva profissional.

Com o pai em coma e sem dinheiro, ele segue de ônibus até uma pequena cidade no interior do Ceará para tentar vender um pedaço de terra da família. Ao chegar lá, no entanto, não se entende com suas irmãs, Dilvânia (Thainá Duarte) e Dinorah (Alice Carvalho), a protagonista feminina mais aterradora dos últimos tempos.

Sofrida e revoltada com o seu destino, ela é a líder de um bando de “novos cangaceiros”, termo criado para designar as quadrilhas de assaltantes de bancos que surgiram no final do século 20.

Assim como na vida real, suas ações são marcadas pela agressividade e ousadia. Armados até os dentes com munição bastante superior às polícias locais, agridem civis, torturam guardas e amarram reféns no capô do carro, intimidando a população.

Com uma atenção meticulosa aos detalhes e uma fotografia que captura a aspereza das paisagens nordestinas, Cangaço Novo se insere dignamente na tradição das histórias que mergulham nas complexidades do crime e da violência na região.

Cenas da família Vaqueiro, um clã em pé de guerra: cenário árido e vidas destroçadas (Crédito:Divulgação)

Terra de ninguém

O tema já inspirou obras de peso no País. Em O Cangaceiro, primeiro filme brasileiro a ser exibido no exterior, o roteiro ficou a cargo de ninguém menos que Rachel de Queiroz, autora imortal de O Quinze e O Lampião, dois livros muito populares.

Ele também foi abordado em um dos marcos fundamentais da cultura brasileira. Deus e o Diabo na Terra do Sol, dirigido por Glauber Rocha, consolidou a revolucionária estética conhecida como Cinema Novo.

Reverenciado no Brasil e no exterior, foi destaque no Festival de Cannes de 1964, ano de seu lançamento. Em 2022, quase seis décadas depois, uma cópia restaurada voltou a ser exibida na mostra dentro da série Cannes Classics, que reúne patrimônios da cultura mundial. Foi aplaudido de pé.

O filme propõe uma abordagem onírica ao explorar questões sociais e políticas do Brasil de então – muitas delas continuam atuais, como:
* a seca,
* o compadrio político local,
* a manipulação religiosa das camadas mais humildes.

Exibe a essência do encontro entre o sertão e a realidade implacável da violência, representada pelos embates entre o cangaceiro Corisco e o jagunço Antônio das Mortes.

A lista de filmes dedicadas ao assunto é extensa e diversificada. Muitos deles chegaram às telas nos anos 1960: A Morte Comanda o Cangaço e O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, também de Glauber Rocha, além do documentário Memória do Cangaço, entre outras.

Recentemente, a série de comédia O Cangaceiro do Futuro e os longas Reza a Lenda, Sertânia e Bacurau, vencedor do prêmio do Júri no Festival de Cannes, provaram que o estilo ainda tem fôlego e desperta o interesse do público.

Cangaço Novo, ao seguir os passos dessa tradição, mostra-se como uma evolução dessa narrativa cinematográfica, honrando sua herança e, ao mesmo tempo, dando-lhe uma perspectiva atualizada.

A terra, o homem, a luta

O Cangaceiro (1953)

(Divulgação)

A produção dirigida por Lima Barreto sobre Lampião foi o primeiro filme brasileiro premiado no exterior — venceu a categoria “Melhor Aventura” no Festival de Cannes

Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964)

(Divulgação)

Marco do Cinema Novo, o clássico de Glauber Rocha traz o inesquecível personagem Corisco, bandido interpretado por Othon Bastos

Bacurau (2019)

(Divulgação)

Estrelado por Sônia Braga, a saga de Kleber Mendonça Filho se passa em uma pequena cidade que se arma contra invasores estrangeiros