A conta não fecha

Crédito: Michele Spatari/AFP

Haddad: no meio de um fogo cruzado que modifica a Lei de Diretrizes Orçamentárias (Crédito: Michele Spatari/AFP)

Por Carlos José Marques

Há uma queda de braço relevante e politicamente estratégica no que tange ao Orçamento Público brasileiro para o próximo ano. O governo insiste na tese e objetivo de campanha de zerar o déficit público — um feito que, por si só, pode coroar uma gestão financeira irrepreensível, capaz inclusive de encher os olhos de investidores internacionais e motivá-los a maiores aportes por aqui, com reflexos na nota de classificação de risco das agências internacionais e natural reconhecimento por parte de toda a banca. A praça não acredita e tem convicção de que a equipe de Lula irá quebrar a cara nesse sentido. A meta pode estar mesmo longe de ser exequível. Para tamanho desempenho seria necessário arrecadar ao menos R$ 162 bilhões extras e ninguém sabe de onde tirar. A conta é do próprio Tesouro Nacional. O esforço adicional não pode vir pela incorporação de recursos parados no fundo PIS/Pasep, que já foram contabilizados, nem da retomada da cobrança de PIS/Cofins sobre receitas financeiras das empresas, também já em vigor. O relatório de projeções fiscais do Ministério da Fazenda trata do desafio, que é visto como o maior a ser alcançado para consolidar a imagem do governo Lula junto aos agentes econômicos, e levanta também dúvidas. Intramuros dos Ministérios, a crença na conquista também é relativa e divide opiniões. Na prática, o governo precisa de medidas adicionais equivalentes a 1,4% do PIB para chegar lá. A Instituição Financeira Independente (IFI) aponta que, pelos resultados dos cálculos, nem em 2025, ainda que seja nos cenários mais otimistas, as metas fiscais preconizadas serão cumpridas. Para a ministra do Planejamento, Simone Tebet, não há saídas ou alternativas que não a do cumprimento das metas. No seu entender, existe um trabalho muito firme e propositivo nesse sentido de entregar resultados factíveis e saudáveis no plano fiscal, e ela alega que, por isso mesmo, foram impostas, pela própria equipe, penalidades rígidas na eventualidade do não cumprimento do proposto. Seu colega de Ministério, Fernando Haddad, quer aumentar a receita pública ao nível de 19% para zerar o déficit de 2024. Hoje o indicador está em 17,9%. Técnicos indicam que o Carf, o arcabouço fiscal e a taxação de super-ricos, cuja medida provisória acaba de ser assinada por Lula, ajudariam a abrandar algumas das perdas que certamente estão precificadas diante da quantidade de desonerações já previstas. Governadores desembarcaram em peso em Brasília, dias atrás, para pedirem mais exceções e benesses fiscais. No paralelo, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou os Estados e municípios a se endividarem em outros R$ 12 bilhões no ano. É um limite adicional para novas operações de crédito. O vaivém da contabilidade pública é intenso. O Congresso aprovou em definitivo o arcabouço fiscal, deixando de fora a regra defendida pelo governo que lhe permitia enviar no Orçamento de 2024 o valor das despesas considerando a projeção da inflação até o fim do ano, o que abriria um espaço fiscal da ordem de R$ 40 bilhões para o Executivo usar no próximo exercício.

Não aconteceu. O regime de despesas e receitas só aperta. Especialistas mostram que, inevitavelmente, a equipe da Fazenda terá de rever os pressupostos do arcabouço já em 2024. E a razão é simples: apesar de todos os malabarismos monetários, a conta não fecha. O problema maior estaria no desenho da estrutura de objetivos do arcabouço que depende excessivamente da benevolência do Congresso para aumentar impostos. Será preciso ocorrer também um crescimento econômico considerável, acima do previsto, para se chegar lá. Aumenta a cada dia – e vindo de diversos setores – a pressão para elevar custos. Na outra ponta, há uma proposta que está na mesa, com poucas chances de aprovação, que tira R$ 5 bilhões dirigidos ao PAC da meta estabelecida. O abatimento consta do adendo que modifica a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A justificativa para a ideia do Executivo é que o montante refere-se a investimentos das estatais. A equipe de Haddad apela para a importância desse movimento que contribuiria rumo ao desenvolvimento do País. No jogo de apelos, ajustes, busca de recursos extras daqui, cortes cada dia mais complicados ali, reside a estratégia governamental para persistir no conceito de déficit zero. Auxiliaria bastante uma reforma administrativa consistente, que abatesse de maneira firme as despesas com pessoal, mas essa é uma alternativa que iria contrariar a base de apoio – especialmente sindical – do presidente. Assim, o improviso prevalece para sustentar um caminho cada dia mais difícil.