Brasil

BRICS: bloco incha, mas líderes não se entendem sobre expansão

Depois de três dias de debates, a geopolítica internacional se movimentou com a expansão dos BRICS, como Xi Jinping queria, mas com número restrito de novos países membros, conforme Lula defendia. O Brasil ainda assegurou o apoio estratégico da China para o Conselho de Segurança da ONU

Crédito: Gianluigi Guercia

O presidente Lula e o líder chinês Xi Jinping: acordo satisfez os dois governos (Crédito: Gianluigi Guercia)

Por Denise Mirás

No mundo pós-pandemia, a primeira cúpula presencial dos BRICS que reuniu líderes de seus cinco países em Johannesburgo, na África do Sul, escancarou duas visões antagônicas sobre o futuro do bloco e seu papel determinante na movimentação de importantes peças no jogo da geopolítica global.

Xi Jinping espertamente chegou antes dos colegas e, certamente voltado a articulações em bastidores nem participou do primeiro dia de reuniões oficiais, na terça-feira, 22.

Expansionista, a China defendia a inclusão imediata do maior número possível de países interessados em aderir ao grupo, o que poderia passar de 20.

Também era essa a pretensão da Rússia, que só teve o presidente Vladímir Putin lendo um discurso por vídeo.

Pelo Brasil, o presidente Lula se colocou ao lado do primeiro ministro Narenda Modi, da Índia, que mudou sua postura radical contra a expansão, e do presidente Cyril Ramaphosa, da África do Sul.

Por eles, a entrada de mais membros teria de ser em número limitado, para não esfarelar o poder dos países fundadores.

As apostas pelo meio-termo prevaleceram. Na quinta-feira, 24, último dia da cúpula, o anúncio de seis novos membros deixou claro como o bloco foi reformulado dentro do jogo de interesses do tabuleiro internacional.

“Em vez de aderir à lógica da competição, alinhamentos automáticos e desconfianças,
temos de fortalecer nossa colaboração.”
Lula, presidente brasileiro

Para Roberto Goulart Menezes, do Instituto de Relações Internacionais da UnB, não ficaram claros os critérios para a admissão dos novos membros, que passam a integrar a coalizão a partir de 1º de janeiro de 2024. “Pela China, todos os interessados seriam aceitos de imediato. Mas, mesmo sem conseguir isso, ela acabou impondo as suas escolhas”, diz o professor, para quem o processo decisório dos BRICS – até agora por consenso – pode ter sido afetado, inclusive quanto à decisão sobre sua expansão.

“Fato é que, com Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, os BRICS passam a ter um eixo energético importante, juntamente com a Rússia. O bloco mostrou que veio para ficar e quer transformar a geopolítica mundial.”

O Oriente Médio fez valer sua importância com a entrada de Arábia Saudita e Emirados Árabes. O Irã também passou, defendido pela Rússia, que foi representada pelo ministro Serguei Lavrov, das Relações Internacionais, já que Putin está sob mandado de prisão internacional.

A África, região cobiçada por China (e Rússia, com menos cacife hoje), defendida pela própria África do Sul e com boas parcerias com o Brasil, se viu contemplada com mais dois novos membros: Egito e Etiópia.

Pela América, a Argentina ingressou sob o empenho do presidente brasileiro, para quem os vizinhos têm importância irmanada em econômica e política.

Vitória diplomática

E Lula ainda conseguiu o que mais ambicionava: em troca da aceitação de mais países membros, terá o apoio do “novo BRICS” para o Brasil ser aceito como membro permanente (e, por isso, com poder de veto) do Conselho de Segurança da ONU.

Esse assento deverá ser debatido na Assembleia Geral em Nova York, entre 19 e 23 de setembro, e é um dos objetivos da política externa do governo Lula, como explica Menezes. “Reino Unido, França, Rússia e China reiteram o apoio a candidatura brasileira, mas os EUA são um obstáculo.”

O que pode ser um trunfo para a diplomacia brasileira, assinala o professor, é ter arrancado da China, na declaração final da cúpula, um apoio mais concreto e sem rodeios, como vinha acontecendo.

“De toda forma, sem o aval dos EUA, nem Brasil nem demais candidatos, caso de Índia, Japão e Alemanha, conseguirão esse feito geopolítico em um cenário internacional turbulento e em rápida transformação.”

Com mandado internacional de prisão, o presidente russo, Vladímir Putin, limitou-se a ler um discurso por vídeo (Crédito:Gianluigi Guercia)

Os BRICS somam 40% da população mundial, ou mais de 3,26 bilhões de pessoas, e 26% de toda a riqueza do planeta (ainda que um quarto dela seja proveniente apenas da China).

Também foram debatidos temas do Banco dos BRICS, sobre facilitação de empréstimos como grupo e pagamentos em moeda que reduza vulnerabilidades, como destacou Lula.

A 15a Cúpula contou com 69 países observadores e 40 mostrando interesse em entrar no bloco (29 deles oficialmente).

Foram aceitos seis, mas a Nigéria, forte candidata como exportadora de petróleo, acabou de fora, assim como a Indonésia.

O encontro ainda teve uma curiosidade, admitida mas não explicada pelo governo russo: Vladímir Putin foi dublado na própria língua, na leitura de seu discurso por vídeo.