Brasil

Bets: entenda o processo de regulamentação dos sites de apostas

O crescente e lucrativo negócio das bets: sites de jogos online pertencem a grupos que atuam fora do Brasil, a maioria deles a partir de paraísos fiscais. Eles estão no radar do governo federal pelo alto valor dos impostos que podem gerar

Crédito: Carsten Rehder

Limbo na legislação: bets podem atuar oficialmente no País, mas aguardam regulamentação (Crédito: Carsten Rehder)

Por Denise Mirás

A promulgação da Lei 13.756, no apagar das luzes do governo do ex-presidente Michel Temer, ao final de 2018, provocou a explosão das casas de apostas online no País. Essas “bets”, como são chamadas, aproveitaram a abertura de um mercado carente de regras para ganhar até dez vezes os R$ 23,2 bilhões que a Caixa arrecadou com suas loterias em 2022. Ainda não se sabe sequer quantos players estão habilitados, mas há estimativas que variam de 800 a 4 mil. A aguardada regulamentação do setor foi esquecida pelo governo Bolsonaro e perdeu-se de longe o prazo que definiria a lista de empresas que exploram esse nicho — o que também protegeria os apostadores, sujeitos a fraudes e calotes no pagamento.

Em 2023, o governo federal detectou que poderia arrecadar entre R$ 6 bilhões e R$ 12 bilhões anuais com impostos relativos às bets. O Ministério da Fazenda lançou então a Medida Provisória 1.182 para colocar nos trilhos os sites em funcionamento no País.

A medida prevê a criação de uma Secretaria específica para análises de documentos e credenciamento de cada empresa interessada, que teria de se adequar à legislação brasileira.

As companhias aprovadas ficarão sob um complexo sistema de fiscalização a ser implantado, que poderá contar com apoio de órgãos internacionais de monitoramento de resultados suspeitos, que também emitem sinais de alerta.

US$ 300 bi
Valor anual estimado das apostas no mundo

R$ 12 bi
O quanto o governo federal pode arrecadar com impostos

Há décadas, grandes grupos de apostas atuam principalmente a partir de domínios localizados em países da Europa e da Ásia. Muitos deles funcionam em paraísos fiscais.

É o caso, por exemplo, da Betnacional, “a bet dos brasileiros”, como diz o slogan da companhia. Ela é operada pela NSX Enterprise N.V., sediada no Caribe, na ilha de Curaçao. A Betano, da Kaizen Gaming International Limited, tem sede em Malta. A Bet365, da Hillside, fica em Gibraltar; a Dafabet, nas Filipinas.

No Brasil, jogos de azar — caça-níqueis ou roleta, por exemplo — seguem ilegais desde sua proibição, em 1946. As bets funcionam hoje em um limbo de legislação, ou seja, são liberadas, mas não regulamentadas.

Para se mencionar apenas o futebol, os sites de apostas de quota única estão estampados nas camisas de 19 dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro e até nos uniformes dos árbitros da CBF.

Estão também em times pequenos, de divisões e faixas etárias diferentes. Calcula-se que, apenas em publicidade, o aporte das bets seja de R$ 3 bilhões.

Por meio da MP, o governo pretende estabelecer regras que obriguem as casas de apostas a seguir a legislação nacional, tentando evitar, assim, a evasão de divisas e operações de lavagem de dinheiro.

Com isso serão conhecidos os CNPJs das empresas que seguirão no País, pois elas terão de usar domínios terminados em “com.br”, não apenas “.com”, registrados no exterior, como é hoje.

Isso deve coibir a participação de organizações criminosas ligadas à contravenção. As bets passarão a pagar uma licença (outorga) e o valor arrecadado será destinado a áreas como:
* segurança pública,
* educação,
* esporte,
* e ações sociais.

Depois de apresentadas 244 emendas à MP, a Comissão Provisória de Análise (mista, com deputados e senadores) terá de ser instalada até setembro.

Essa decisão bilionária, porém, está nas mãos de Arthur Lira (PP-AL). O presidente da Câmara pode deixar a medida caducar, forçando o caminho para sua aprovação via Projeto de Lei, que demanda mais tempo de negociação.

O Centrão, grupo de Lira, interessado em ministérios do governo Lula, está de olho nos órgãos que receberão essa verba. O próprio Lira envolve-se em outra roleta política semelhante: o PL que legaliza os cassinos, aprovado na Câmara em 2021, ainda não foi colocado em pauta no Senado pelo presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) — e nem tem data para ser votado.

Manipulação de resultados

Felipe Carreras, relator da CPI da Manipulação no Futebol: “Esse caso pode ser o maior escândalo da história do futebol brasileiro” (Crédito:Andreson Souto)

A CPI da Manipulação no Futebol foi instalada em 17 de maio, a partir de informações do Ministério Público de Goiás, sobre um esquema de fraudes em resultados de jogos.

O esquema teria ligação direta com grupos criminosos que usam sites de apostas para lucrar e efetuar operações de lavagem de dinheiro.

“Estamos nos debruçando sobre esse tema, que pode ser o maior escândalo da história do futebol brasileiro”, afirma o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), relator da CPI. “Quem é apaixonado por futebol quer respostas e punições. A investigação é urgente”, diz ele, destacando que o prazo para conclusões se encerraria em 14 de setembro, mas já teve aprovada sua prorrogação até 13 de novembro.

Além das audiências públicas, com tomadas de depoimentos de atletas, presidentes e representantes de entidades esportivas, a CPI presidida por Júlio Arcoverde (PP-PI) conta há duas semanas com a colaboração de um delegado da Polícia Federal — seu nome segue em sigilo.