Entrevista

Paulo Teixeira, Ministro do Desenvolvimento Agrário

“Não controlamos o MST”

Wenderson Araujo

“Não controlamos o MST”

Editora Três
Edição 11/08/2023 - nº 2793

Por Por Samuel Nunes

Em vez de cumprir o quinto mandato como deputado federal, Paulo Teixeira recebeu como tarefa do presidente Lula reestruturar o Ministério do Desenvolvimento Agrário, extinto na gestão de Jair Bolsonaro. No novo cargo, precisa lidar com a retomada de investimentos na agricultura familiar e atuar diretamente nas negociações com os movimentos de luta por reforma agrária, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados.

Apesar de o trabalho ainda estar engatinhando e mostrando os primeiros resultados, a recriação da pasta já foi questionada por parlamentares na votação da MP dos Ministérios, e o cargo de Teixeira tem se tornado um dos alvos de disputas do Centrão por mais espaço na Esplanada. À ISTOÉ, o ministro avalia os avanços e as dificuldades do posto, como a falta de controle das ações do MST, que na semana passada invadiu uma fazenda da Embrapa, em Pernambuco, e colocou em risco a realização de um evento agropecuário importante para o governo.

Seu ministério tem forte atuação no relacionamento com os movimentos do campo, principalmente com o MST. Quais são as principais ações para tentar reduzir os conflitos no campo?
Nos últimos seis anos, não houve sequer um centímetro de terra que tenha sido utilizada para reforma agrária. Então houve um represamento enorme. São 54 mil famílias que estão no cadastro único à espera de terra. E o que nós estamos querendo é adiantar as políticas públicas para fazer frente a esse represamento, retomando o foco no problema de reforma agrária, e essas famílias serão assentadas, diminuindo assim o conflito no campo. E, por outro lado, estamos dialogando sobre os embates agrários no sentindo de encontrarmos uma solução pacífica para pôr fim a esses choques. E, com isso, a partir desse diálogo, pacificar o campo. Nós estamos querendo um campo pacificado.

Na semana passada, o MST invadiu uma fazenda da Embrapa, em Pernambuco, mas os sem-terra deixaram o local rapidamente. O senhor pediu para que saíssem?
Já conseguimos atender 70% do que eles pediram. Então, foi um protesto, mas a nossa equipe se reuniu com eles. Estava previsto que eu me reunisse com eles também, mas por causa da ocupação à Embrapa eu não fui à reunião. Estamos implementando as propostas deles. Eles ficaram lá cinco horas e saíram a nosso pedido. Não tem sentido o que eles fizeram, de realizar um protesto para impedir a realização de uma feira de agricultores familiares.

Sobre o desempenho Bolsonaro x Lula: “Como diz o presidente Lula, a maior arma que ele pode ter é encher a barriga do povo, produzindo comida” (Crédito:Ricardo Stuckert / PR)

Essa invasão acabou dando fôlego para os críticos do MST e causaram desgaste ao governo. Como fica agora a relação com o movimento?
Para mim, a natureza daquilo lá foi um protesto e, evidentemente, nós não controlamos o movimento e a coisa acabou acontecendo. Mas tudo continua caminhando. Nós vamos administrando o que hoje no Brasil é um problemão, pois foram seis anos sem nenhuma ação para assentar famílias sem-terra, com um represamento do programa de reforma agrária. O que a gente quer é trazer esse fenômeno para dentro do debate institucional.

Bolsonaro diz que no governo dele praticamente não houve ações de invasão de propriedades por parte do MST porque ele teria entregue mais títulos de terra do que nas gestões petistas. O que de fato aconteceu no governo anterior?
No ano de 2022, morreram 53 pessoas no campo. Nós queremos evitar esse tipo de resultado. Como diz o presidente Lula, a maior arma que ele pode ter é encher a barriga do povo, produzindo comida. Então, nós queremos um campo sem conflito. E os títulos que ele (Bolsonaro) deu são muito precários. Nós estamos em fase de preparação de uma titulação mais efetiva para o campo.

A bancada ruralista hoje é majoritariamente contra o governo. Falta articulação da sua parte com esse bloco?
Em primeiro lugar, tem uma bancada da agricultura familiar no Congresso muito expressiva. Em segundo lugar, eu estive na posse do presidente da FPA (Frente Parlamentar da Agricultura), deputado Pedro Lupion, e fui chamado há 15 dias para participar de uma reunião na FPA considerada por eles como muito positiva, no sentido de termos uma boa relação entre o governo e o agronegócio.

O senhor avalia que faltou maior empenho do governo para estar mais presente na CPI do MST?
Na verdade, essa CPI do MST não tem um objeto definido, tendo em vista que não há irregularidades na relação entre o movimento e o Governo, que é o que a Câmara poderia investigar. Então nesses seis meses de governo não há nenhuma indicação de irregularidades nesse relacionamento. Não vejo sentido na existência dessa CPI, senão alimentar o conflito no campo. Eu acho que essa CPI não está conseguindo oferecer nenhum elemento que possa acusar o MST. Se formos pegar os conflitos no campo, a CPT (Comissão Pastoral da Terra) mostra que as 53 mortes no campo registradas no ano passado ocorreram em regiões que não são de militância do MST, como no sul do Pará, o norte do Mato Grosso, parte do Tocantins, sul do Piauí, o noroeste de Rondônia e o sul do Amazonas. Então, por essa razão, se os deputados quiserem investigar os conflitos no campo têm que analisar onde aconteceram essas mortes. Estamos criando uma ouvidoria agrária para cuidar dessas áreas e encontrando soluções para superar esses conflitos.

Como avalia esse início de gestão? Quais os principais problemas que o senhor constatou?
O Brasil perdeu áreas de produção de alimentos básicos e aumentou a produção de soja, milho e algodão, produtos voltados ao mercado externo. Por isso, nosso Plano Safra da agricultura familiar tem como prioridade aumentar a produção de alimentos. Além disso, nós também promoveremos um estímulo para a agroecologia com essa transição ecológica para uma agricultura regenerativa, a adoção de bioinsumos, a implementação de políticas de recuperação de nascentes de água, de matas ciliares e de áreas de proteção ambiental. Na Amazônia, há estímulo às florestas produtivas, às agroflorestas, ao extrativismo sustentável e à agricultura produzida por mulheres, populações quilombolas e indígenas. A segunda maior entrega foi o programa Mais Alimentos, que é um programa voltado à mecanização no campo. O Brasil tem quatro milhões de propriedades de agricultura familiar e estima-se que apenas 17% são mecanizadas. Isso demonstra uma baixa mecanização e também que os modelos de máquinas produzidas são voltados para as grandes propriedades agrícolas, não para as pequenas. Ainda que tenhamos pequenos tratores, trata-se também de implementos agrícolas, voltados para o cultivo da pequena propriedade, colheitadeiras menores de trigo, de milho, de soja, máquinas para a colheita de hortaliças, de legumes, de frutas. O Mais Alimentos tem juros de 5%, uma carência de dois anos a 10 anos para pagar. A gente fez também acordo de cooperação técnica entre as universidades brasileiras, institutos federais, a Embrapa, os bancos, Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) para desenvolver tecnologias e equipamentos menores no Brasil voltados para a agricultura familiar.

Quais foram os avanços para os agricultores familiares?
Fizemos uma ação muito importante na área do seguro rural. Nós fizemos a cobertura de 600 mil famílias da agricultura familiar que sofreram perdas pelas secas no Brasil. Os pequenos agricultores do Rio Grande do Sul foram os mais atingidos pelas secas este ano e o governo Lula fez um forte atendimento a eles. E retomamos, por outro lado, um programa de atenção às comunidades remanescentes de quilombos. Já demarcamos cinco quilombos nesses primeiros meses de governo e, ao mesmo tempo em que a gente demarcou essas áreas, também oferecemos crédito para que possam desenvolver agricultura nesses lugares.

Nos últimos meses, o governo teve dificuldade para aprovar alguns temas no Congresso e um deles foi a nova configuração ministerial. A manutenção da sua pasta foi bastante questionada pela oposição, pois já existe o Ministério da Agricultura. Por que dois ministérios na mesma área?
É importante dizer que esse modelo de dois ministérios vem do governo Fernando Henrique. Foi ele quem criou a pasta do Desenvolvimento Agrário. O presidente Lula e a presidente Dilma mantiveram o MDA. O governo Temer também manteve o MDA, mas ele foi extinto no governo Bolsonaro. E por que ele foi recriado agora? A agricultura empresarial é muito voltada para o mercado externo, mas também para o mercado interno quando se pensa em uma economia de escala, altamente tecnológica e com capital muito intensivo. Na agricultura familiar isso não acontece. Você tem quatro milhões de propriedades, mas você tem alguns segmentos da agricultura familiar que vão muito bem, enquanto outros ainda precisam ser estimulados pelo governo. E isso requer dois ministérios. Eu diria que eles têm olhares diferentes. E o olhar no MDA está voltado para o pequeno agricultor e também um pouquinho para o segmento do médio para baixo, para os que têm propriedades agrícolas de até quatro módulos rurais. Esse segmento precisa aumentar a produtividade, a agregação de valores, fazer essa transição tecnológica, aumentar a renda e diminuir a pobreza no campo.

Sobre o a CPI do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra: “Não vejo sentido na existência da CPI do MST, senão alimentar o conflito no campo” (Crédito:Agência Senado)

Falando ainda um pouco mais de Congresso o senhor foi deputado federal por 20 anos. Neste início de governo houve vários problemas de relacionamento entre o Planalto e o Congresso. A quê o senhor atribui esses problemas?
Eu acho que há dois fatores: o primeiro fator é que progressivamente o parlamento foi tomando conta do orçamento da União e esse é um fator que complica mesmo a governabilidade. Porque a governabilidade anteriormente se dava também a partir de uma progressiva participação dos parlamentares no orçamento, em diálogo com o Executivo. O que acabou nesse período do orçamento secreto e da RP9 foi o diálogo com o Executivo, porque os parlamentares passaram a ter autonomia. É muito mais difícil de governar neste contexto. Também nós temos que reconhecer que houve um equilíbrio na composição do Congresso Nacional entre oposição e situação.

A reforma ministerial já começou a andar. Na semana passada, houve a posse do novo ministro do Turismo, Celso Sabino. Acha que o seu cargo pode estar ameaçado?
O problema é que todo governo precisa ter maioria parlamentar. Acho que essas mudanças nos ministérios são necessárias para dar tranquilidade congressual ao governo. Eu estou fazendo o trabalho que precisa ser feito aqui no ministério. Essa decisão de sair não me cabe. Cabe ao presidente Lula.