Um inverno com esperança

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Bolívar Lamounier: "Será necessário repetir que a maior parte desse crescimento se deve ao agronegócio, que não cria sequer uma minúscula parcela dos empregos de que necessitamos?" (Crédito: Divulgação)

Por Bolívar Lamounier

Houve época em que o Brasil se via como um País coeso, competente e certo de haver encontrado a rota para um futuro de desenvolvimento e bem-estar.

Hoje, só os muito obtusos diriam isso, mas não precisamos afundar no masoquismo. Nem todos os males ocorreram por culpa nossa; a pandemia é mais que suficiente como ilustração.

O problema, e nesse ponto não cabe tergiversar, a maior parte do desastre em que nos arrastamos desde o século XX decorreu de nosso caráter, de nossas instituições políticas e de nossas nefelibatas elites econômicas. Veja-se o oba-oba que se espraiou desde poucos dias atrás, especificamente desde a aprovação (parcial) da reforma tributária e do anúncio de que a taxa de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) não ficará abaixo de 2.%. Será necessário repetir que a maior parte desse crescimento se deve ao agronegócio, que não cria sequer uma minúscula parcela dos empregos de que necessitamos? Será necessário lembrar que, mesmo se pudéssemos confiar numa taxa dessa ordem por um longo período, levaremos algo como 35 anos para dobrar nossa pífia renda anual por habitante?

Ou teremos que chegar à tragicômica comparação com os Estados Unidos, lembrando que nossa renda por habitante é inferior à do Mississipi, o Estado mais pobre da União americana?

Peço desculpas ao leitor por passar ao largo da trama de desperdício, privilégio e falcatruas incrustada nas altas esferas da República.

Que dizer da violência que se generaliza a olhos vistos, sempre mudando de características, porque agora não mais se requer mão-de-obra adulta e bem treinada?

Reconheçamos, também, que nossa exígua e esquálida classe média tem boa parte de responsabilidade no cartório — não toda a classe média, evidentemente, porque aí se trata da própria estrutura de nossa sociedade, que remonta a um passado distante. Mas o passado não explica por que no mínimo metade dela não dá um pio contra nosso escandaloso sistema universitário público, que reiteradamente se esquiva de cobrar anuidades dos filhos das famílias mais abastadas.

Que dizer da violência que se generaliza a olhos vistos, sempre mudando de características, porque agora não mais se requer mão-de-obra adulta e bem treinada? Se você, amigo leitor, sair à noite com seu automóvel e for parado no farol por um garoto de 14 anos, seja prudente. Ele pode estar armado e não iria lhe dar ordem de parar se não soubesse atirar.

E o que dizer dos médios e pequenos empresários, garroteados a cada 15 minutos pela teia da burocracia criada em grande parte exatamente para isso – para evitar que os setores empenhados em desconcentrar a renda atinjam seu objetivo?