Brasil

A reforma administrativa vai vingar?

O projeto que falta para transformar a agenda econômica do País será colocado em votação na Câmara, diz Arthur Lira. Mas o governo Lula não esboçou até agora nenhum interesse em mexer com direitos do funcionalismo

Crédito: Suamy Beydoun/AGIF/AFP

Arthur Lira quer agenda positiva para segundo semestre no Legislativo (Crédito: Suamy Beydoun/AGIF/AFP)

Por Gabriela Rölke

Em busca de uma agenda positiva para chamar de sua na retomada dos trabalhos no Congresso depois do recesso parlamentar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que, neste segundo semestre, vai trabalhar pela aprovação da reforma administrativa, que segundo ele é o próximo passo na agenda econômica do País, depois da recente aprovação da Reforma Tributária. “É o próximo movimento”, afirmou, durante um seminário promovido pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), em São Paulo.

“Se tivéssemos aprovado a reforma administrativa há vinte anos, estaríamos colhendo os frutos hoje”, disse. Lira tenta deixar em segundo plano a nuvem de suspeitas que o acompanha desde a deflagração da Operação Hefesto, há dois meses.

As investigações da Polícia Federal o colocaram no centro das investigações sobre fraudes na licitação de kits de robótica destinados a escolas públicas em Alagoas, seu estado natal.

A ideia do poderoso presidente da Câmara é fazer com a reforma administrativa algo semelhante ao que se deu em relação à Reforma Tributária: apesar de apoiada pelo governo, foi Lira quem colheu os louros pela aprovação da medida.

Mas a despeito de eventuais interesses pessoais do parlamentar, de fato é preciso discutir medidas que tragam mais eficiência ao Estado por meio do aperfeiçoamento das regras da administração pública. Mal não faz.

Muito pelo contrário. Lira se refere à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 32, enviada ao Congresso em setembro de 2020 pelo governo de Jair Bolsonaro e que, depois de sofrer profundas modificações, dormita na Câmara desde 2021 a pedido do próprio ex-presidente, temeroso de que a aprovação da medida atrapalhasse suas pretensões eleitorais.

O presidente da Câmara tem sinalizado ao Planalto que aceita “desbolsonarizar” a proposta, ou até mesmo encampar uma nova versão, para que a discussão avance e a reforma administrativa seja viabilizada.

Disparidade salarial e concursos que não avaliam efetiva capacidade estão entre principais problemas no serviço público (Crédito:Divulgação)

Fundamental

“Não vou avaliar as razões políticas do Arthur Lira para falar sobre a reforma administrativa. Mas ele traz para o debate um tema fundamental, e que até o momento o governo Lula não abordou pelo menos de forma mais ampla”, avalia Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV, doutor em Direito Administrativo e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público.

“Todo mundo reclama que a administração pública é pouco eficiente e todos sabem que precisamos controlar os gastos, e a reforma administrativa se refere a isso”, diz. “Então, vejo de forma positiva, o fato de o debate vir à tona.”

Para o professor, esta é uma chance de o governo mostrar como pretende tratar a questão. “Seria bom que o governo dissesse a que vem. Há um bom Ministério de Gestão, com gente bem-intencionada”, avalia.

Sundfeld destaca, no entanto, que há problemas na proposta em tramitação na Câmara, tanto na estratégia como no conteúdo.

“No Congresso, eu não perderia tempo com uma reforma constitucional, não trataria desse tema por meio de uma PEC, mas sim por meio de projetos de lei”, diz.

“Aprovar uma PEC exige mais esforço na articulação política, porque o número necessário de votos é maior. Aprovar projetos de lei é mais tranquilo, além de possibilitar que se testem soluções e que eventualmente haja aprimoramentos.”
Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público

O especialista ressalta que é possível avançar inclusive com medidas que independem do Legislativo, por meio de ações administrativas do governo que, por exemplo, promovam alterações na estrutura de órgãos de Estado ou que aperfeiçoem a cobrança por desempenho dos servidores.

“Quando o governo envia uma PEC para o Congresso, as corporações correm para fazer pressão, exatamente como ocorreu com a PEC 32. O substitutivo aprovado na Câmara em 2021, por exemplo, tratou do tema das incorporações salariais – gratificações, vantagens e indenizações aos vencimentos dos servidores. Mas blindou justamente quem recebe mais, que são os membros do Judiciário e do Ministério Público, e ainda por cima permitindo a constitucionalização desses privilégios. Então, o resultado foi o oposto do pretendido”, explicou.

A disparidade salarial no funcionalismo público, aliás, é um dos grandes problemas da administração pública – e deveria estar entre os pontos prioritários de uma reforma administrativa. “As carreiras de elite ganham extraordinariamente e conseguem fugir do teto com estratégias variadas, garantindo para seus integrantes vantagens que os demais servidores não têm.”

Sundfeld pontua também que é preciso melhorar o recrutamento de novos servidores por meio de concursos públicos que não beneficiem apenas os “concurseiros”, mas que de fato avaliem a capacidade dos postulantes para o efetivo desempenho das funções relativas aos cargos.

“Há vários pontos em que é possível avançar, e que podem resultar numa verdadeira revolução na administração pública federal, sem que para isso seja preciso alterar a Constituição.” Vontade política, portanto, parece ser a chave para o aperfeiçoamento da máquina pública. Agora é com o governo.